quarta-feira, 2 de outubro de 2019

" INSATISFAÇÃO "




Estou aqui em voltas e mais voltas, sem que jorre sequer um assunto, um tema, algo interessante para escrever.
Dispensei uma amiga com quem iria tomar café, na expectativa reconfortante de que, aqui no meu canto, seria seguramente bafejada com alguma ideia medianamente aceitável.  Qual quê ... sinto-me vazia por dentro, ou melhor, sinto-me esvaziada de conteúdo.
Crise de criatividade, consciencialização da desimportância objectiva do que escrevo, ou desinteresse  mesmo ?
E no entanto precisaria escrever, já que, fazê-lo, é uma catarse que me é vital.

Parece que já escrevi tudo o que tinha a escrever, nos tempos em que só me restava o espaço sufocante de permeio a estas quatro paredes, que por vezes se agigantavam.  Aqui, no sossego e na solidão do meu quarto.
Nos tempos em que os meus gatos eram as figuras importantemente silenciosas na minha vida, em que a minha gaivota esvoaçava por aqui, pousava perto, e piscando os olhinhos, me trazia notícias lá de longe, da orla costeira onde as águas batiam nos rochedos na maré baixa, e em que o seu vai-vem embalava e adormecia a alma ... nos tempos em que cada por-de-sol, com toda a sua singularidade, me fazia sonhar, na nostalgia da partida ...
Nos tempos em que a música, doce e lenta, escorria incessantemente e me aconchegava ...

Parece  que essa  "eu",  não  existe  mais.  Parece  que  essas  memórias  estão  a  ser  engolidas pelo tempo,  parece  que  o  mundo  à  minha  volta  se  descaracterizou  inapelável e doídamente ...
Chego a ter saudades desse tempo que foi.  E no entanto, não era um tempo fácil ... não era sequer um tempo feliz !
Estranho tudo isto !  Estranho, o ser humano ... ou se calhar, simplesmente estranha apenas eu, nesta insatisfação magoante que me tortura e despeja por dentro.
Parece que então, havia um norte que eu perseguia, um objectivo que me motivava, um foco que me justificava a caminhada.
Nada disso percebo, neste momento.  Nada disso percepciono neste timing da minha existência.  Parece que não há muita coisa que me valha a pena, ou me preencha.  Parece não existir de facto muita coisa que me dê asas, ou me sirva de bordão ...
É um marasmo que me inunda.  É uma angústia que não explico, que me toma.  É uma melancolia morna que me envolve ... São as cores outonais que me pintam o coração ...

Talvez nada importante.  Não sei.  Talvez nada que me "autorize" a sentir assim, nesta espécie de ingratidão com a vida.  Afinal, continuo viva por aqui, continuo com saúde e com os problemas que eventualmente as pessoas encaram, sem excessiva preocupação, felizmente.
Olhando à minha volta, sei exactamente que poderei chamar-me e sentir-me privilegiada !

Mas, fazer o quê ?...

Não consigo, por mais que racionalize, fazer valer a pena a vida que detenho.  Excesso de burrice, seguramente, utopia para a qual já não tenho idade, miopia formal face ao desenrolar dos dias ...
E sei-os a passar vertiginosamente.  Sei que cada minuto desperdiçado e não valorizado, é um minuto inglória e irreversivelmente delapidado.
Há quase ano e meio que a minha mãe partiu.  Incrível !  Parece ter sido ontem ...
Há quase dois anos e meio que a Teresa nasceu.  Igualmente incrível !  E de tudo fala, e tudo conversa e interage de uma forma rica e desinibida.
Ainda ontem o António usava fraldas e dançava ao som da "Joana come a papa ", e já entrou para a Faculdade.
E daqui a pouco, aniversario.  Um ano mais que não me interessa nada, e que vou procurar ignorar, longe daqui ...
E assim por diante !...

Como folha tombada num riacho serpenteante por entre as pedras, que vai encalhando pelo caminho ... como fiapo de algodão largado no vento que sopra ... como nuvem perdida no firmamento, que se faz e desfaz ... ou barco sem vela ou remo, longe do cais ... assim me sinto eu, sem rumo, bússola, norte ou motivo ... amodorrada que estou, numa onda pardacenta que não coa a luz !...

Anamar

3 comentários:

Marisa disse...

Me gusta tu blog. Me quedo por aquí.
Saludos.

anamar disse...

Obrigada Marisa pelo teu comentário.

Volta sempre ! Abraço

Anamar

anamar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.