domingo, 22 de dezembro de 2019

" NEM SÓ OS PÁSSAROS ... "



Só os pássaros passam as redes das escolas desertas, onde os risos soltos das crianças não ecoam, neste período de silêncios escolares ...
As portas estão cerradas, as relvas desabitadas e os bancos das merendas sozinhos e tristes ...
Os pássaros, nos seus voos de liberdade sempre passam fronteiras, sempre vencem distâncias e vão além dos muros. 
As folhas dos Outonos que já foram, atapetam de ocres queimados o chão molhado das chuvas persistentes.  As azedas, as macelas e outras vivazes, festejam em explosão de alegria os verdes das alcatifas com que a Natureza  forrou as terras sedentas ainda há pouco.  As águas derramadas dos céus encastelados foram bênção prazeirosa e potenciadora da floração das espécies de Inverno.

Na mata também só há silêncios.  Os habitantes não se vêem.   Só se ouvem.  Continuam a saltar por entre os galhos.  Abrigam-se da intempérie nas árvores de folha perene.  Lá terão os ninhos, por certo.
A Natureza despiu-se.  Só os musgos e os líquenes trepam os troncos, enquanto que os cogumelos selvagens ponteiam o chão, e as primeiras bagas começam a despontar ...
A solidão ... uma solidão, um abandono e um desconforto parecem pairar, e ombreiam com o meu sentir.  Os silêncios estão-me por dentro e por fora, como se a alma e o corpo iniciassem uma hibernação providencial ...

E há uma paz.  Só a busca daquela paz me leva para os caminhos enlameados.  Me leva para as veredas desertas, na certeza de que nem vivalma anda por ali.  As pessoas fogem  do cinzento, das sombras, da escuridão mesmo, que fecha os dias antes de tempo.  As pessoas fogem do silêncio ... do que parece ausência de vida ...
Eu, não.  Eu vou por lá ganhar um banho de tranquilidade, de equilíbrio, de contemplação, como se fosse uma purga da civilização que se impõe.  Como se fosse uma fuga ao que deve sentir-se e viver-se agora ... ainda que se não sinta ... Só porque é Dezembro, só porque é Natal ... e outro ano tudinho novo a escrever-se, abre o livro ...
Eu vou por lá beber, respirar, empanturrar-me de Natureza ... porque é a única fiável, certa e segura que me envolve.  A única perfeição que nos coexiste, neste minúsculo ponto do Universo ...
E o conforto que experimento não se descreve.  É uma masturbação infinita na alma, e uma faxina retemperadora no coração !

Acho que estou a tornar-me eremita.  O ser humano cansa-me mais e mais.  A capacidade de emaravilhamento, de sonho, de identificação, de plenitude, de êxtase ... neste momento só a encontro no diálogo que estabeleço com os seres irracionais que me cercam. 
Sinto-me feliz e em paz com a ternura dos gatos que vivem comigo.  Sinto-me preenchida e leve, quando persigo o voo das gaivotas frente à minha janela.  Respiro até ao âmago de mim mesma, no cimo de um penhasco, no alto de uma falésia.  Converso com os ouriços dos castanheiros, e silencio ao escutar os avanços e os recuos das marés, nos areais açoitados pelas ondas alterosas ...
Escuto a brisa leve que perpassa, e respeito a força dos vendavais que ordenam ...
Fascino-me com os acordes da música que toca dolente aqui ao meu lado, com a doçura da tarde que se pôs ...
E aí sim ... sinto-me um pouco feliz !...

"Só os pássaros passam as redes das escolas desertas, onde os risos soltos das crianças não ecoam, neste período de silêncios escolares ..."

O meu pensamento livre  voa com eles  além das redes, além dos muros e das paredes, além das convenções, do certo e do errado,  das memórias, da nostalgia que me toma ... numa troca muda de palavras com o silêncio do meu quarto !...



Anamar

Sem comentários: