quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

" O FIEL JARDINEIRO "





Os dias continuam radiosos e abençoados.  O sol não se esquiva, a temperatura é generosa, o céu azula, os pássaros chilreiam e mostram-se saltitantes pelos campos e jardins, onde a erva rebentou em força  com um verde saudável e viçoso, e onde as flores despontam já, com a pujança e a beleza promissora de uma Primavera candente.
O sol faz o milagre.  Aliás, o sol sempre faz o milagre de despertar, colorir e adornar gentilmente os dias que agora nos arquivam a escuridão, a neblina e o frio do Inverno, que apesar de tudo ainda atravessamos.

Adoro a Natureza.  Sempre ela subjaz aos meus escritos, porque sempre ela emoldura e determina os meus estados de alma.  Não canso de o referir, e tenho-a como o bem mais seguro e precioso de que dispomos,  porque ela representa a VIDA ... 
É certa, magnânima, não guarda ressentimento ...
Fascina-me sempre a sua dádiva sem cobrança, apesar dos maus tratos e da insensibilidade do Homem.  Ela não pede, aceita ... não nega, dá-se ... não cobra e não nos falha ...

Aprecio quem a aprecia.  Identifico-me com quem com ela se identifica.  Agrada-me a sensibilidade de quem com ela gosta de se miscigenar, de quem lhe identifica a linguagem e lhe sabe ler os mistérios.
De quem se extasia com um nascer ou um por de sol.  De quem sabe olhar as margaridas selvagens, as azedas delicadas, ou a nudez dos plátanos despidos.  De quem entende, porque escuta, o trinado do melro, o arrulhar dos pombos, o pipilar do chapim ou da pega rabuda ... o grasnido da gaivota que patrulha os penhascos alterosos ou saúda a rebentação da maré baixa ...
Emociono-me com quem se debruça para colher um malmequer dos campos, uma madressilva dos muros velhos, apanhar um seixo dos areais, ou com quem "guarda" a cantilena da rebentação, nas praias ora desertas.  Quem entende a voz do vento, quem lê o recado da tempestade ... quem silencia, para sonhar, no horizonte ...
Enterneço-me com quem planta tomates, pimentos, aromáticas, figueiras, malaguetas, morangos e outros,  em vasos de varanda, e  rejubila com cada um que nasce e cresce, e o acarinha e o trata como se de uma criança se tratasse.
Extasio-me com a dádiva de amor posta na recuperação das espécies doentes ou moribundas, tantas e tantas vezes irremediável e desprezadamente largadas no lixo ... por nós, aqueles que não as "sentem" como seres vivos clamando por ajuda ...
Extasio-me com quem ajardina encostas inóspitas de falésias junto ao mar, só porque nelas se encerram vidas, histórias e destinos ...
E admiro profundamente quem ama os animais, sobretudo aqueles a quem a desdita jogou em futuros  tortuosos e indefinidos ... Quem os ajuda, os defende e os protege ...

Conheço alguém assim.
E só consegue ser assim, quem tiver um coração do tamanho do mundo e uma alma aberta, disponível, pura e "naïve", capaz de deixar albergar em si tudo e todos que o precisarem ... Quem tiver uma sensibilidade ímpar e desperta,  na arte da "jardinagem da vida" ...
Já lhe chamei  "o homem das rosas", e sobre ele escrevi um conto, há anos atrás.  Hoje, chamo-lhe o "fiel jardineiro" ... e sinto-me privilegiada por, de quando em vez, também eu ser uma humilde "plantinha" do seu jardim ...



Anamar

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