domingo, 23 de fevereiro de 2020

" POR AÍ ... "





Tarde ensolarada de mais um Carnaval ...
Aí está uma época do ano e uma efeméride que sempre detestei.  No meu senso de humor não encaixa ter que me "divertir" quando o calendário assim o decide.
Mas hoje o dia foi absolutamente generoso com os foliões, com temperaturas de franca Primavera, embora ainda tenhamos um mês de Inverno pela frente.

O Carnaval é sobretudo para as crianças  que, seja qual for a fatiota que lhes inventem, ficam felizes e eufóricas, na magia de uma personagem encantada.
Relembrei inevitavelmente os anos aqui em casa, com duas para mascarar, nos tempos em que ainda não existia a panóplia de oferta extremamente variada, criativa e baratinha, propiciada pelas lojas dos chineses e afins.
Os fatos de então, eram confeccionados ( o que era uma bela de uma chatice ), ou alugados, o que obviamente não era para todos os bolsos.
A escolha não tinha muita margem de variação ( sempre se tentava que no ano seguinte se retomassem os modelitos já passados, com a inerente resistência por parte de quem os envergaria ... 😃😃😃 ).
Havia que rentabilizar o mais possível o trabalho e o capital ... ( rsrsrs ).  Assim, a minhota, a sevilhana e as fadas, eram coisa certa e segura ...
Depois passava-se à epopeia de vestir, de pentear adequadamente e de maquilhar.
Enquanto que uma das minhas filhas desejava, suportava e participava mesmo, na "construção" da figurinha, não reclamando e prestando-se a todas as facécias necessárias (cabelos ripados, palha de aço na cabeleira para segurar a peiñeta, e imobilidade quase total para que a pintura saísse a preceito ), a outra quase tinha que ser manietada para lhe conseguir fazer qualquer coisa.  Fugia, não queria, esquivava-se o mais que podia.  Era um cansaço e uma prova de esforço, conseguir sair incólume de tal odisseia !
Hoje, tem uma filha com idade para as mesmas tropelias.
E também a mãe "corta um dobrado" para a convencer, quase ingloriamente, a deixar pôr a bendita fatiota e prender as asas de borboleta, ou a bandolete das antenas no alto do cocuruto ... o máximo permitido ... ( rsrsrs )

Nessa altura, o Carnaval ainda tinha sabor a vida, a brincadeira, a boa disposição.
O tempo passou.  Os mais velhos ignoram as palhaçadas da época.  Dezoito, quinze e doze anos conferem-lhes o "estatuto" de gente muito crescida e séria ...
Resta a "pitorrinha" de pouco mais de dois anos e meio, com quem, como disse, o sucesso não parece ser muito !!!

Eu agora ando assim.  Não sei se serei só eu ( penso que não ), para quem a vida se norteia por revivalismos de tempos passados, ou por uma afobação sentida e urgente, de esgotar tudo aquilo que ainda possa, enquanto possa.
Uma vida feita "às pressas", como se fosse acabar-se amanhã ... e uma vida de lembranças e recordações, boas e más ... sempre gratificantes, porque o são da minha história.
A fragilidade da existência, a efemeridade da mesma, a precariedade dos tempos e a corrida vertiginosa dos dias, assustam-me e pressionam-me.  As vinte e quatro horas voam, literalmente.  Levanto-me tarde, é certo, o que consequentemente as encurta.  Mal tenho aqui o sol a inundar-me, frente à janela, já daqui a pouco estou a descer os estores, porque o céu  laranja lá longe no horizonte, me anuncia que mais um dia está a findar ...
Nada disto é obviamente saudável.  Nada disto deveria ser condicionante das nossas vivências diárias.  Afinal a vida segue indiferente, angustiemo-nos ou não.  E tudo será o que tiver que ser, quando tiver que ser !...
O mundo é cada vez mais um lugar perigoso de se viver.  Viver, é cada vez mais uma condição humana, exponencialmente de risco elevado...

Cerca de duas mil e quinhentas pessoas morreram já, com a pandemia que se alastra indiferente, neste barco de casco disfarçadamente roto, que é o planeta.  O medo instala-se e grassa.
Não adianta, dizem.  Sabemo-lo bem !  Afinal, como estancar ou refrear  num mundo de globalização, a circulação permanente, incontida e fácil das pessoas e dos contactos ?!
Assim, a juntar às incertezas que se vivem, inerentes às dificuldades experimentadas por todas as realidades existentes a nível pessoal, familiar e social ... a juntar ao horror dos conflitos generalizados, das guerras instaladas, dos ódios, da fome e das perseguições ... a juntar às mais disfarçadas agressões a que o ser humano é sujeito em permanência ... à constatação angustiante indiferente e doída da degradação do planeta, vítima do descaso e da loucura de alguns ... a juntar a tudo isto, digo, como se um castigo viesse redimir tanta ignomínia, como se se fizesse um qualquer acerto de contas no Universo ... como que um cerco se fecha, e as doenças acrescidas àquelas que já nos fustigam, amarguram-me, intranquilizam-me, assustam-me, e apavoram mesmo os meus dias ...

Não  será  preciso tanto, dirão.   Afinal,  para  se  morrer  basta  estar  vivo ! - Velhíssima  máxima ...

Nos últimos dias têm partido figuras públicas que, por o serem, não nos passam despercebidas.  Indivíduos que também escreveram, à sua maneira, a História do nosso país.  E, apesar de para mim representarem apenas isso ... o facto de deterem em si, o protagonismo do enriquecimento da nossa realidade nas mais variadas áreas, culturais, sociais e políticas, com o contributo que nos legaram ... sempre me sinto empobrecida, nostálgica e interrogativa com o seu desaparecimento ... como se o mesmo fosse um processo contra-natura, despropositado e ilógico ...
Afinal foram meus contemporâneos, são meus "conterrâneos" e responsáveis também, por um acréscimo e uma valorização integral dos meus conhecimentos, da minha personalidade ... da minha individualidade enquanto gente, aqui e agora nesta Terra !...

Bom, não alongarei mais a escorrência dos meus estados de alma ...
Hoje tratou-se tão somente disso mesmo ... um mix aleatório, um fluir solto, desconstruído, sem elaboração prévia ... sem linha ou estrada previamente decidida.
Simplesmente uma torrente a esmo  pelo meio dos escolhos que me atormentam, das interrogações que me coloco, das perguntas insolúveis, das respostas silentes às dúvidas audíveis ... Exactamente como me foram chegando ...
Por aí ...
Não mais ...

Anamar

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