terça-feira, 13 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DE S. JORGE

 



                                                       Igreja de Santa Bárbara das Manadas


Alguém  lhe  chamou " um gigantesco navio de pedra eternamente ancorado no meio do Atlântico".


A " Ilha Lagarto " desce a pique para as profundezas do oceano desde o alto das suas falésias escarpadas, às fajãs adormentadas em espreguiçamento de intimidade com a Natureza pura.

S.Jorge integra o Grupo Central açoriano, tem 53 km de comprimento por um máximo de 8 de largura, e emergiu das profundezas do mar, pela actividade sísmica e vulcânica .  É um dos vértices das chamadas "ilhas do triângulo", em conjunto com o Faial e o Pico, do qual a separa um estreito canal de cerca de 15 km - o canal de S.Jorge.
O seu ponto mais alto é o Pico da Esperança, com mais de mil metros de altitude.
Foi achada e descoberta logo depois da Ilha Terceira, e sabe-se que o seu povoamento se terá iniciado por volta de 1460, com o primeiro núcleo populacional nas Velas e posteriormente um segundo núcleo situado na Calheta.

A Ilha, muito embora o seu relevo seja agreste e inacessível, foi vítima, no decorrer da sua história, de ataques de piratas e corsários.  
Só no século XX o seu isolamento foi sanado com a construção dos seus principais portos, de Velas e Calheta, bem como a construção do aeródromo de S. Jorge.
Desde o início do povoamento o desenvolvimento económico passou pelo cultivo do trigo e do milho, da urzela e do pastel, os quais eram, ao tempo,  exportados para o reino e para os territórios portugueses de África.
Hoje em dia, vive-se do aproveitamento dos recursos naturais, da expansão da pecuária e pesca, do fabrico e comercialização do famoso Queijo da Ilha ... e ainda do turismo.
A videira foi um dos grandes produtos agrícolas de S.Jorge desde o século XVI, perdurando por três séculos.  As vinhas ocupavam os chamados "currais", existentes até hoje e feitos com muros de pedra basáltica, que serviam de locais de abrigo climatérico, para as plantas.
O "ciclo da laranja" também foi muito importante, com exportação para a Inglaterra e América.  O inhame, plantado em qualquer palmo de terra, foi fonte de subsistência para as populações mais desfavorecidas.  Também a caça à baleia, durante a última década do século XIX até meados do século XX, foi importante fonte de rendimento.
Das vigias instaladas em pontos estratégicos da ilha, com vista privilegiada para o mar, era dado o alarme do avistamento, por forma a que a população acorresse ao cais mais próximo, para se fazer à caçada.

Hoje a actividade mais produtiva prende-se com a exploração agro-pecuária, com a criação de bovinos para produção de carne e leite entregue nas Cooperativas, onde é transformado no famosíssimo queijo, mais ou menos curado, e detentor de "Denominação de Origem Protegida ".
Existe mesmo a Confraria do Queijo de S.Jorge.
Na Fajã dos Vimes, sul da ilha, na Freguesia da Ribeira Seca, pudemos ainda apreciar os trabalhos feitos em lã, representativos do artesanato local.

A cobertura vegetal da ilha sofreu alterações ao longo dos séculos.  Extinguiram-se espécies, e foram introduzidas espécies novas, como a batata, o inhame, o pastel, a batata-doce, a laranja, a conteira que aqui recebe o nome de "roca da velha" como referi no meu post anterior e que se tornou totalmente invasiva em território açoriano ... a criptoméria, o trigo, o milho, a vinha e as hortênsias entre outras.
Em altitude predominam as pastagens, enquanto que as fajãs são verdadeiros eco-sistemas onde as diferentes espécies vegetais convivem amplamente em harmonia, podendo encontrar-se centenas de diferentes plantas em escassos hectares.
Lógica e consequentemente, a fauna também aí é abundante.  As aves, desde a gaivota, a cagarra, o milhafre, o canário e o melro entre outros, têm como mais recente parceiro o pardal, que curiosamente povoa estas paragens apenas desde 1970 !...
No mar o peixe abunda, é variado e excelente.  Os crustáceos e moluscos imperam, as lapas, as famosas cracas e as amêijoas são petiscos incontornáveis !!!

A arte sacra está permanentemente presente em todos os lugares açorianos.  Trata-se de um povo devoto, intrinsecamente crente, temente a Deus e cultuando a imagem do Santo Cristo, acima de tudo.
Essa fé evidencia-se exacerbada, direi, porque sendo uma gente mártir e sacrificada, permanentemente assolada por cataclismos e fenómenos naturais incontroláveis, no seu isolamento e parcos recursos, sempre buscam protecção e amparo, nas entidades divinas.
Aqui, em S.Jorge, a Igreja de Santa Bárbara das Manadas ficou particularmente na minha memória.

Em suma, e porque a história vai longa, poderei dizer que a Ilha Lagarto é um mix de emoções, uma mescla de diversidade natural entre arribas altas e escarpadas na costa norte e declives menos acentuados e suaves, descendo para um oceano profundamente azul, na costa sul, onde as fajãs ( fenómeno morfológico único da orografia dos Açores ), habitadas quase todas, mas com um acesso difícil, lembram uma donzela espreguiçada placidamente à beira-mar, contemplativa, silenciosa e orgulhosa de tanta beleza esbanjada a rodos !...

S.Jorge e as suas fajãs, os seus miradouros, as vistas esmagadoras sempre prontas a surpreenderem-nos em cada volta de estrada, as suas paisagens que dos cumes das arribas nos retiram o fôlego e convidam à introspecção e à contemplação ... remetem-nos à pequenez e à insignificância do ser humano, face a uma Natureza selvagem, genuína, onde o Homem aceita, agradece e não perturba ...

                                                                      Fajã dos Cubres

Anamar

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