terça-feira, 13 de abril de 2021

" SÓ TEMPO ..."

 

11 de  Abril de 1921 -  11 de Abril de 2021

A estranheza de nos sentirmos nada, ou melhor, de nos sentirmos apenas aquele grão de poeira da terra onde se volta, onde sempre se volta um dia ... aquela sensação de pequenez, de insignificância, da indiferença de um mundo que continua impassível, igual a si mesmo, que nos desconhece e nos ignora, apesar de estarmos de partida ...voltei a experimentar.
Voltei a experimentar estes sentimentos de perfeição, fora de nós, imperfeitos que somos no todo que nos forma !
Voltei a experimentá-los, no meu regresso à Aguda, àquele pórtico simbólico de passagem entre o cá e o lá, entre esta e a outra dimensão ... derradeiro destino.  
Afinal, havia que pôr em repouso, "ad eternum", os restos físicos do meu irmão, circunscrevendo um pouco mais, o círculo de sangue e afectos, do que resta duma família que se uniu, nas raízes daqueles arbustos, prova de vida, de ressurreição e continuidade.

As falésias adormentadas, silenciosamente místicas, maravilhosamente adornadas nesta Primavera em desponte, atestam em eternidade que o Tempo é apenas uma estrada que segue adiante sem horizonte que o limite !
A brisa que soprava, o céu translúcido, azul e luminoso, o mar que marulha incessante e dolente numa melopeia embaladora ... as gaivotas que cortam mansamente o firmamento ... e o silêncio ( não me canso de nele me perder ), repetem na minha alma que é ali, tem que ser ali, sem nenhuma dúvida ou omissão, que terei que me quedar também, um dia !
Aquele chão chama-me, aquele verde rasteiro, pertença dos rochedos alcantilados, apela-me e sussurra-me que  só ali, poderei ter paz.  A paz da liberdade, a paz da pertença à terra donde vim e para onde estarei indo !
Aquele zimbro despontado e perene, a doçura da certeza da continuidade, no morrer e renascer por cada estação que começa, não se explica, apenas se sente e nos trepa no sangue borbulhante das veias.
Ali moram todos e não mora ninguém. Porque ali, é lugar apenas de memórias ...

Hoje, domingo de um Abril, mês icónico no meu calendário dos afectos ... hoje, dia 11, a minha mãe completaria um século de vida, na contagem indiferente e fria dos Homens.  Partiu há três.  
Há três, que num dia com o mesmo rosto do hoje, luminoso e claro, num céu salpicado também ele, de novelos brancos viajantes, foi embora.
Eu sei e sinto que ela continua por aqui, e apenas se cansou de arrastar por mais tempo o precário invólucro que lhe destinaram.  Não que ela quisesse ir, não que ela não sonhasse em ir vendo os destinos dos seus que por aqui se cumpriam ... Apenas, o cansaço, aquele cansaço que nos tolhe o passo e a mente, a empurrou adiante.
Assim, tomou o trilho, abriu o caminho e foi apenas, antecipando-se ( como em dia de festa "adiantava" os preparativos para a chegada dos outros ), aguardar pelos que hão-de ir ...

Hoje, mãe, no dia em que nasceste e morreste, no dia em que fechaste absoluta e totalmente o ciclo da tua existência, reserva aí o lugar, prepara o reencontro, guarda o abraço ... porque tudo não é mais do que uma questão de Tempo !...

Anamar

Sem comentários: