domingo, 28 de março de 2021

" O PESO DO SILÊNCIO "


Um dia destes desaprendo de falar. 

É domingo, é um dia dos finais de Março, é um dia dos finais do primeiro trimestre de 2021, o que configura um quarto do ano em "lockdown" ... também ele ...
A Primavera começou quando e como devia, os dias sorriem radiosos, o céu azulou, cristalino e límpido.  As temperaturas são aconchegantes, as flores e os pássaros cumprem calendário na perfeição, voam livres e soltos, cantam em afinação total, e as flores, essas abrem as corolas num milagre que se renova de dia para dia.  
Eu, continuo por aqui.
Sentada atrás da vidraça, banhada por este sol de final de tarde, escuto o silêncio de uma cidade em adormecimento.  Aqui, os gatos dormem, um na espreita dos últimos raios que se atrevem a entrar, o outro, aos meus pés, sobre a carpete.
Não falam, os meus gatos ... e sê-lo-ia bom !

Excepto quando refilo com o despautério de disparates feitos, excepto quando refilo com o alheamento que me toma em relação a tudo, e vocifero contra mim mesma, os sons desta casa são apenas "não sons".
Parece um lugar tumular, parece a antecâmara de um lugar sem vida, um lugar de silêncios e imobilidade.
Ao longo dos dias, totalmente ritualizados, os movimentos, os gestos, os hábitos repetem-se copiados integralmente.   E todos eles se acompanham de silêncio, um profundo e pesado silêncio !

Acho que à medida que o tempo avança neste figurino de vida, vou sendo moldada mais e mais no sentido desse isolamento.  Vou sendo redefinida mais e mais para a indiferença, a insensibilidade, a falta de gosto e de vontade.
Vou-me encarquilhando e virando para dentro. 
Estou mais para avesso que para direito.  
Estou mais pra concha que para mar aberto. 
Desaprendo de falar, mas também desaprendo de sentir e irmano-me mais  com uma pedra, que com uma árvore ... 
Endureço-me como ela, tolda-se-me a vista e embotam-se-me os sentires.  
Esboroa-se-me o querer e o valer a pena. 
A natureza é bênção que me pinga aos poucos, quando caminho.  As plantas e os bichos ainda me emocionam ... e o céu pertinho e o mar adivinhado, mas sempre vizinho no meu coração, transportam-me a tempos, para tudo o que foi e não é mais ...
A fadiga assola-me.  A fadiga de alma e um desgosto profundo por me ver amputada, como um pássaro de asas cortadas.
Não gosto de me ver num espelho, e não gosto que me vejam aqueles que me viram, quando os dias eram outros, quando os anos eram mentirosos promissores ... e quando a vida se fazia parecendo que ainda se podia tudo !

Hoje, resta-me a solidão.  A solidão e o peso do silêncio, meu companheiro de travesseiro desde os nasceres da lua, até o sol a empurrar para além do horizonte.
Resta-me o silêncio pesado e sufocante e desaprendo de falar ... e desaprendo de sentir ...

Anamar

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