sexta-feira, 29 de julho de 2022

" RETALHOS DE PENSAMENTOS AVULSOS "



 Aqui por cima passa um avião.  Ruma ao aeroporto, já baixou o trem de aterragem e voa com a inclinação de quem perde lentamente altura, necessária para um poiso em segurança.

Estamos naquela parte da viagem em que me colo ao banco, que de costas direitas de acordo com as directrizes do comandante, se mantém vertical, normalmente já fecho os olhos, engulo em seco para desbloquear o efeito da pressão nos ouvidos e me agarro aos braços do assento, como se ali estivesse a minha "salvação" ...
Tenho pavor de avião, sofro desalmadamente quando as viagens se aproximam, mas tento racionalizar e obrigo-me a elas.  Porque, vendo bem, se assim não fosse, com as fobias que dei em inventar, à medida que vou envelhecendo, não arredaria pé da minha zona de conforto ... de que levo a vida a queixar-me, aliás !...  Incoerências do ser humano , quase sempre inexplicáveis !  
Afinal, estas coisas do domínio do psíquico quase nunca se entendem !
Mas pronto... ainda assim, sempre que um avião passa, espicho os olhos lá para cima, e eu, que acabei de chegar duma viagem longa e exigente, já seguiria com ele, fosse lá para onde fosse ...

Entretanto cheguei e adoeci com uma virose qualquer, manhosa, vulgo constipação de Verão.  Não tem cedido a umas coisitas que tomei, já melhorou, voltou a piorar.  Nada de maior, eu diria, apenas e isso é o que mais me incomoda, uma falta de energia atroz.  Não tenho febre, já fiz três testes rápidos da Covid, na expectativa de arranjar finalmente um nome pra esta coisa irritante que me incomoda, mas nada.  De Covid, nem sombra, portanto além de levar a vida a assoar-me, coisa que não lembro acontecer-me há infinitos anos, é este arrastar-me mesmo para as coisas mais elementares, que me tolhe.
Tudo é um esforço acrescido e só deitada ou sentada à fresca, é que me sinto no "céu" !

Será preguiça ? - interrogo-me.  Comodismo ?  Desculpas ... uma dose de uma espécie de justificativas pessoais pra me "safar" do que não me apetece ?  Será ??
Não pode ser só isso !
É verdade que um dos meus maiores defeitos é mesmo a preguiça, e uma submissão cómoda às rotinas confortáveis também me agrada muito.  Mas a falta de energia é real e objectiva, bolas!  
Aguardo melhores tempos, portanto.

Por aqui os dias seguem adiante sem um pingo de novidade. A rotina pura e dura re-instalou-se depressa.  As caminhadas estão em fase de reassunção, embora a fogo lento, pois representam um esforço acima do que estou a conseguir.  O calor, não ajuda, e esse está em plena época.
Aqui no meu prédio morreu entretanto uma vizinha de cento e quatro anos, a viver connosco há muitos e muitos.  Não era uma senhora de convívio diário, obviamente, até pela diferença de idades, mas fazia parte tacitamente do rol de vizinhos que aqui coabita desde o início do prédio.  E já vão sendo poucos os resistentes. 
E tudo continua indiferentemente igual.  O dia é de sol, de céu limpo, é mais um Julho em declínio, um ano a precipitar-se inexoravelmente em passadas de gigante para o seu fim ...

O tempo escoa-se.  Pouco estou com os meus.  Nunca há tempo.  As conversas adiam-se e requentam, as coisas perdem oportunidade.
A Teresa cresce. Qualquer dia percebê-la-ei já com ar de "rapariguinha", e perguntar-me-ei como não dei por isso ...
O António ... pasmo sempre, não sei porquê, onde foi buscar aquele ar e aquela voz grave de homem feito ?...
Usava fraldas ontem ...
A Vitória, de namorado oficial a tira-colo, com quem passeia pra cima e pra baixo assumidamente, com quem faz férias em Madrid e na casa do Algarve ... ficou portanto uma mulher ao completar os dezoito anos, parece ...
E até o Kiko perdeu já aquela inocência de miudinho.  Inevitavelmente faz-se ao futuro ...
Os tempos de convivermos proximamente, foram.  Os interesses diversificaram e o "figurino" familiar nunca permitiu uma aproximação gratificante.  
Hoje, encarno apenas a figura oficial da avó, tenho a certeza.  Existe um formalismo estranho entre nós, as conversas não deslancham, os assuntos não pingam.  Tornámo-nos todos meio estranhos uns dos outros.  Sou aquela a quem se telefona no "Dia dos Avós", invenção dos tempos actuais ... ou para me agradecerem um pequeno agrado trazido de fora, e mesmo assim, tenho a certeza que por detrás da ideia está a mãe, que tem que "mostrar serviço" ...

Enfim, um dia, como a D.Maria de Lurdes ( e muito antes dos cento e quatro anos ), também com sol,  chuva ou mesmo nevoeiro ... que importa ... seguirei adiante.  Afinal, morremos todos os dias um bocadinho, desde que nascemos ... e tudo continuará indiferentemente igual ... 
E a seguir a uma Primavera um Verão chegará, depois um Outono e por aí fora.  Os que ficam também vão indo, e a memória, a lembrança, a presença ... a imagem dos que vão, esbate-se, descolora e desvanece-se no nevoeiro das lembranças ...
E tudo se esquece, e tudo perde a definição e o sentido ... rosto de pai, de mãe, de amores e amigos ... É apenas uma questão de tempo !

Bom ... melhor ficar por aqui.  Isto, esta escrita sem norte ou rumo já está a descambar para o lado lunar da vida, e isso não é bom !

Fiquem bem e sejam felizes, aqui e agora !...

Anamar

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