quarta-feira, 10 de julho de 2024

" PEDAÇOS "

 


A minha vida amodorrou como já aqui referi vezes sem conta.  É como se tivesse deitado para a sesta, debaixo de um chaparro lá pelo meu Alentejo.
Vivo assim uma coisa pouco "temperada", insossa, desenxabida, cinzentona ... E para mim, não há pior que isso, essa falta de cor, esses dias vividos por viver, numa espécie de mero cumprimento de horário, sem entusiasmo, vontade, alegria, sem perspectiva, sem horizonte ... sem sonho ... sem metas !

Sou uma pessoa de "copo meio vazio", muito desesperançada, sem grande capacidade de luta ou reacção, como o náufrago que acha que já não compensam mais braçadas, ainda que a praia se divise, à distância de mais um esforço.
Soçobro, ou julgo que sim, perante maiores exigências de vida. Não me aprecio particularmente, e tenho-me em pouca estima ou valorização.
Às vezes, quando olho vidas ao meu lado, penso: eu não conseguia, eu já tinha desistido !
Pareço buscar portanto, o mais fácil. Não tenho arcaboiço p'ra grandes coisas, na verdade, mas insatisfaço-me afinal com prestações fracas e pouco exigentes.  Sempre fui perfeccionista, e isso quase sempre arrasou e arrasa a minha vida, porque nunca serei suficientemente "boa" para cumprir os desígnios que teria como ideais, e o meio termo não me faz feliz !
Sou mulher de oito ou oitenta. Sou sôfrega, sempre fui, no viver.  Equilíbrio não é comigo, nunca foi. 
Revigoro-me com emoções fortes, não gosto do trivial, com dificuldade vibro com fasquias "normais" ... coisa de gente, comum, que não me preenche. 
Por tudo isto, e em análise mais pormenorizada e aprofundada, flagro-me como sendo uma out-sider da vida, desajustada às realidades duras e objectivas das pessoas ditas enquadradas.
Portanto, existe uma digladiação constante e objectiva, entre mim e mim, que, costumo dizer, começa de manhã ao pôr os pés fora da cama, e se arrasta até à misericórdia do sossego nocturno.  Um cansaço e um desgaste insano e sem tamanho !

As minhas filhas têm de mim, creio, uma imagem e uma opinião pouco generosa e benevolente.  Acusam-me frequentemente de ter procurado sempre uma perspectiva mais facilitista na vida, acomodada, pouco lutadora e ousada, procurando os caminhos mais acessíveis e menos massacradores.
Penso que acreditam que me posicionei no mais fácil, no mais cómodo, no menos trabalhoso e exigente.
Olham-me como a "dondoca" mimada que de pouco investimento, tirou grandes lucros, a menina sempre poupada às grandes exigências da vida, a qual nunca lhe exigiu esforços titânicos e merecíveis.
No deve e haver, permitem-se mesmo tecer considerandos, analisar e até opinar, quase sempre doutoralmente, sobre realidades do meu percurso pregresso, que obviamente, temporalmente não têm dados para poder avaliar.
Aquela coisa bonita de se ouvir às vezes em conversas ou até entrevistas mediáticas a figuras públicas, em que os filhos manifestam gratidão, ou mesmo enlevo, orgulho e admiração pelos pais que tiveram ... nunca correrá o risco de comigo acontecer ...
Cá está, admito que os meus pais de tudo fizeram pra me aligeirar o piso, filha única que fui, no seio de progenitores cultuando o desiderato típico das suas gerações, proporcionar aos filhos o que eles próprios não puderam usufruir ... uma protecção excessiva e perniciosa que me acompanhou por todo o meu percurso enquanto foram vivos, uma inépcia que me incapacitou de enfrentar com denodo, coragem e sabedoria, a vida real !
Mas que culpa tive eu disso ? Bem ao contrário, o resultado prático foi exactamente o inverso ... não fui preparada para encarar os reais desafios da vida que me esperaria cá fora, quando tivesse que enfrentar o abandono do casulo.  Não ganhei armas nem de defesa nem de ataque para a luta real do dia a dia que me aguardava, em suma fiquei pouco apetrechada para ultrapassar os obstáculos inevitáveis, menos ainda no meio de pessoas traquejadas para isso.
Qualquer uma das minhas filhas tem um "know how", um "savoir faire" em matéria de viver e sobreviver que fica a anos-luz de mim !  Apesar de por vezes lamentar a dureza, fico muito feliz, orgulhosa e tranquila por isso !
Afinal, penso que se calhar não as lesei, não as ajudando tanto quanto me reivindicam ou desejariam ...

Bom, este meu post de hoje foi uma deambulação pelo meu eu interior, deixando que a voz das profundezas do meu coração emergisse , como se me ouvisse, pensando alto ...

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Conhecendo a menina há muitos anos.
Não concordo.
Dou um exemplo no lançamento do teu livro de Poesia, a tua filha mais velha, fez um rasgado elogio público á sua Mãe na Biblioteca com sala cheia.