terça-feira, 30 de setembro de 2025

" E A VIDA SEGUE ... "


E depois Outubro vem assim na beiradinha de Novembro que é um mês que, pelas mais variadas e insuspeitas razões, eu detesto ...
Desde logo é o mês em que nasci, em que vou contando anos de vida ... ou descontando anos de vida, conforme a análise da questão.

Não tenho contudo muito de que me queixar.  A vida, com os seus trancos e barrancos, com os seus altos e baixos, com os seus caminhos atrofiados alternando com estradas largas e luminosas, no "lavar dos cestos" como soi dizer-se, ainda que abusando da minha mente e do meu coração, tem-me aligeirado, apesar de tudo, os sustos e os percalços que me coloca à frente .
O meu céu ora escurece de borrasca eminente, ora desanuvia e vai deixando o sol espreitar por detrás das nuvens ameaçadoras ... ano após ano.

Viver é um risco, ouve-se dizer com demasiada frequência.  Nada nos permite esquecer que vamos andando por aqui, passando pelos intervalos da chuva;  nada nos faz acreditar em futuros seguros, em dias de amanhã promissores, porque a incertitude de cada momento nos mostra em permanência que a imutabilidade não existe, e se hoje amanheceu uma linda manhã de Primavera, nada garante que o dia não fechará em forte tempestade ...

Mas nada disto seguramente diferenciará a minha vida da dos restantes mortais, a não serem características personalísticas com que não fui fadada.
Há pessoas que sempre olham o copo meio cheio, enquanto que o meu, miseravelmente, sempre me parece meio vazio ...
Advindo talvez seguramente da educação que tive, a minha paleta de cores, sempre é mais para os tons escurecidos.  Já sofro de véspera, sempre navego em águas de um cepticismo reconheço que exacerbado, espero sempre o pior, doentiamente, e quase sempre me maravilho face a desfechos diferentes dos antecipados !...
"Vês desgraças em todo o lado" ou ... "tudo é pesado, carregado, na tua vida" ... dizem-me com frequência, os próximos, sem sequer sonharem quanto sofro com isso ...

Tento domesticar este meu lado negativo.  Trabalho o meu eu interior no sentido de me chamar à razão, mas ... na realidade, caio, levanto-me ... mas sempre esfolo os joelhos !

Desde miúda que a vida me foi apresentada como ameaçadora, como tendo muito maior probabilidade de dar errado, do que certo.
Um peso e uma responsabilidade talvez excessivamente grandes, sempre me foram colocados sobre os ombros e reconheço, tiraram cor, alegria e leveza aos meus dias.  
Era o meu pai que quando eu nasci já tinha quarenta e oito anos e seguramente não viveria para "me criar", com o drama da minha mãe não usufruir proventos com que solucionar essa questão, era a aluna que deveria ser exemplar, sem contemporizações para pequenos desvios e insucessos, era a jovem desenhada e talhada para um casamento formal, enquadrado nos parâmetros da época, acontecesse o que acontecesse, a mãe que deveria abdicar de si própria em prole duma educação e encaminhamento criterioso dos filhos ... doesse a quem doesse ... em detrimento dos conceitos de felicidade, realização pessoal, perseguição dos sonhos ( talvez não muito sonhados ... ) ... e por aí fora !

Em suma, uma existência objectiva e realmente outonal, pesada, escurecida que me guiou e conduziu, deixando marcas, cicatrizes, desilusões, descrédito na vida e nas pessoas com quem fui coabitando cá por este mundo !

Hoje é o último dia de mais um Setembro, a três meses do Natal, em mais um ocaso do tempo...
Lá fora, a noite já se anuncia, os pássaros já recolheram, a aragem já esfria e sobrou o laranja na linha do horizonte ...
É quando o silêncio e a solidão pesam mais aqui, neste lugar de sempre, neste varandim sobranceiro a um espaço que nada me diz e onde as luzes da noite na cidade, que se vão acendendo aqui e ali, apressam as donas de casa de volta aos jantares das famílias.
Mais um dia chegou ao fim !...
Eu e os meus gatos continuamos por aqui, ao som deste tema doce, aconchegante e embalador ...

Anamar

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

" PEDAÇOS ... "


Os dias amarelaram. No céu, de um azul pouco convincente, fraquinho, fraquinho, nuvens esparsas vão seguindo viagem. Um vento desabrido pavoneia-se por aqui e arrepia-nos o corpo.  O Outono assoma.  Hoje já cá está.
Num banco da praceta, alguém que tem como protecção apenas um cobertor, aninhou-se.  Visto cá de cima é uma espécie de embrulho que alguém ali tivesse deixado.  Talvez já se prepare para a noite que chega a passos largos apesar da temperatura o não aconselhar.

Esta época do ano, estes dias melancólicos e de silêncio que parecem esconder uma sonolência triste da natureza, não me fazem bem nenhum.  Parece que tudo deitou para dormir.  Parece que tudo fechou os estores para uma hibernação de desamparo.
Do Outono eu adoro as cores da natureza.  A "caça" aos laranjas, amarelos, castanhos e  avermelhados ou até mesmo o início da queda da folhagem das árvores e arbustos que já completaram o ciclo anual de vida, leva-me a procurar nos programas turísticos, lugares por esta Europa fora onde os encontrasse no intimismo de paisagens inesquecíveis. E sonhar ...
Recordo imagens gravadas na mente, há muitos anos, num Setembro norueguês, onde a simplicidade da vida em meio a uma natureza doce e aconchegante, chamava a passeios pelos campos em busca das flores silvestres sazonais e das bagas dos frutos vermelhos a oferecerem-se às compotas da época ...
E era muito bonito mesmo, a paz que se respirava, os cheiros que nos impregnavam a alma, aquela pacatez no meio da floresta ... os abetos e as coníferas duma forma geral, ainda verdes, erectos na espera das primeiras neves que não demora, os enfeitariam ...

Estou a atravessar uma fase da vida em que a saturação do dia a dia e a vida numa cidade horrível, totalmente descaracterizada, sem absolutamente nada de interessante e que nada tem de semelhante com tempos idos, me deprimem ainda mais.
Com uma frequência nas ruas pouco recomendável, sem um espaço verde de valer a pena, sem uma esplanada de um café para ameno cavaqueio ... nada, absolutamente nada ... cada vez mais e mais me isolo em casa, 
A solução seria sair, ir embora, procurar outros espaços, o que só por si já limita qualquer interesse ou entusiasmo de o fazer. Ter que pegar no carro, fazer-me ao trânsito, à confusão das gentes, retiram-me qualquer vontade que possa existir.
Neste momento anseio apenas por paz, silêncio, natureza ... Neste momento adoraria viver fora daqui.
Sinto-me a adoecer ... a sério, sinto-me a ficar com a saúde mental seriamente afectada.

Este post, como o nome indica, aborda apenas pedaços de mim, nada de relevante que acrescente ou retire nada a ninguém ...
Afinal não há muita escolha no registo emocional para as pessoas que, como eu,  estando já profissionalmente libertas, pertencendo a uma determinada faixa etária, e em que as opções lúdicas propostas são pouco ou nada aliciantes ... além de escrever banalidades ou registos vazios de vida, pouco ou nada interessantes !
Não sei ou me interessa tricotar, nem tenho prendas domésticas, fujo das imagens aterrorizantes das guerras que grassam e dizimam os povos, fujo das notícias catastróficas de desgraças naturais quase sempre despoletadas pelas alterações climáticas trazidas pela mão do Homem, odeio as guerras políticas que devastam os países, os continentes, a nossa sanidade mental ... vou lendo, pouco, pela dificuldade de concentração, descreio cada vez mais no ser humano e nas suas reais intenções ... sobra-me o quê?!

A mata ... o único lugar onde ainda há verde, pássaros que pipilam, gatos sem dono ou casa ... e já nem patos bravos nadam nos tanques ... porque novamente o Homem se encarregou de lhes envenenar as águas ... 😓😓

Anamar 

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

" OUTONECENDO "


Júlio Machado Vaz publicou o seu último livro denominado "Outonecer".
Irei comprá-lo amanhã, pois além de ter sido escrito por alguém absolutamente insuspeito a todos os níveis, profissional, pessoal, e penso que familiar também, habituei-me a admirá-lo. a gostar da sua lucidez enquanto psiquiatra, a apreciar o seu "modus vivendi" neste outonecer em que ele e eu estamos ( temos praticamente a mesma idade ).
A sua análise, abordagem e frontalidade na apreciação das questões que se prendem com a psiquiatria, a sexualidade, a sua avaliação dos afectos e das relações humanas que tanto perturbam uma sociedade cada vez mais doente, sempre me fascinaram, pela objectividade, assertividade e clareza.

Dele, guardo o que para mim é um verdadeiro tesourinho. 
Dada que sou a depressões recorrentes ao longo da vida, umas mais agressivas, outras menos, mas sempre deixando marcas profundas no meu "eu", e porque dada a sua localização geográfica sempre clinicou no Porto, enviei-lhe uma vez, há muitos anos, em desespero, uma carta pedindo-lhe ajuda, e orientação para as minhas mágoas e desordem mental.
Enviei a carta, ele não me conhecia ou sequer alguma vez me havia visto, e como tal, tinha como certo que a carta enviada não mereceria nunca nenhuma atenção privilegiada. Afinal o Professor era uma figura pública extremamente requisitada e ocupada.
Pois bem, Júlio Machado Vaz não só teve a gentileza, a amabilidade, diria até a generosidade de me estender a mão respondendo às minhas palavras, como, não podendo acompanhar o meu caso pela inviabilidade da distância a separar-nos, se disponibilizou, caso assim eu o entendesse, a indicar-me um profissional da área, aqui em Lisboa, com competência para me ajudar ...

Guardo religiosamente essa carta, até hoje.  
Ela, esse gesto, falam, sem dúvida de uma pessoa, definem um carácter, exibem um profissionalismo exemplar e ao mesmo tempo uma sensibilidade, disponibilidade e empatia face ao próximo, que raramente encontramos, sobretudo em determinadas áreas ou patamares sociais e profissionais.
Para mim, este gesto representa o perfil de um médico a sério. Este gesto é duma dignidade, dum altruísmo, dum entendimento do outro, raro, digno só de alguns seres verdadeiramente especiais, particularmente por alcançarem e valorizarem a fragilidade e o sofrimento das patologias silenciosas, como o é a chamada "doença sem rosto" que parece cada vez mais, atormentar e destruir esta sociedade em que tentamos viver ...

Tenho a certeza que irei apreciar profundamente este seu livro, como outros anteriormente publicados.

Obrigada Professor Júlio Machado Vaz ! 
"Outonoceremos" juntos, só que lamentavelmente não no mesmo barco.  A sua paz, a sua natureza, os sons e os silêncios que fisicamente são o seu reduto privilegiado, estão bem longe desta solidão e deste brouhaha infecto da grande e anónima cidade e dos seus casulos herméticos, onde só a distância e o silêncio predominam ... 
Como o invejo !...

Anamar

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

" FANTASMINHAS DOS SILÊNCIOS ..."

 



Sempre o ano começava agora.  Agora que as férias objectivamente terminavam, agora que a criançada já povoa de novo as ruas, agora que se reabriam os livros, os dossiers, até mesmo a pasta, dormida que estivera nos meses de Verão. 
Não sei bem explicar este brouhaha interior que chegava como a última onda da praia, e se instalava, feito um frisson inquieto, que ano após ano se anunciava.

Era sempre assim. Havia uma animação no ar que nos preenchia de uma espécie de expectativa inexplicada, de uma espécie de alegria e de ansiedade que não doía, nem cansava, feita de curiosidade, vontade de rever, encontrar, falar, rir, olhar rostos que deixáramos, fechar abraços que interrompêramos ... enfim, sempre havia um objectivo a atingir, um desígnio a alcançar, um foco ...
E começava mais um ano lectivo !

Hoje, olho para trás e parece que esvaziei por dentro.
O cheiro dos livros e dos cadernos já não impregna este meu espaço, sei que as salas já não me esperam, sei que é como se eu tivesse dado um salto apenas, para as prateleiras onde os livros alinhadinhos  repousam sonolentos, imprestáveis, desocupados ... piscando-me apenas os olhinhos meio cansados e inúteis. Apenas fazendo-lhes companhia ... avivando memórias ... 
Hoje, é como se nem na equipa de suplentes eu ocupe lugar ...
Os meus miúdos mais velhos, todos três universitários, alguns iniciando, outros olhando já o mercado de trabalho, pertencem a departamentos que já não domino ...
A benjamim, numa terceira classe com currícula que pouco me diz, também já nada tem que me mobilize.  Agora é a vez de ser a mãe a afobar-se, a inteirar-se, a desdobrar-se na azáfama instalada ...

E no entanto tudo parece que foi ontem, parece ter sido ontem que pela última vez cruzei aqueles portões de entrada, aqueles portões de uma vida !...

Lá, já ninguém me conhece ... "Onde é que a senhora vai ?"... E eu só quereria franquear uma última vez, à sorrelfa, a porta da sala dos professores... naquela ânsia, quase certeza que ainda haveriam de estar ali, todos, no cavaqueio à volta de camilhas que agrupavam os interesses, as áreas, os grupos disciplinares, de acordo com as especificidades individuais ...
Eram os matemáticos, os de inglês ... mais além Português, ou Física e Química ou Biologia , ou ... ou ... ou ...
E já tantos foram embora !... E já tantos deixaram de responder à chamada ... E já tantos estão tão irreconhecíveis, quando às vezes ainda nos cruzamos, em golpes acidentais, que me confrangem o coração !
O tempo , o malfadado tempo brincou com todos nós, de esconde-esconde ... Deixei uns e que é feito deles ?!  Onde raio se perdeu a gargalhada da Tininha ?  A bonomia da Emília ? Os bordados da Alcina ?  O Moisés, o Arlindo, o Sampaio, a Ana Frade, a Teresa Sobreira, a Celeste ... todos ... tantos ?!...
Não os acho além da minha memória, não os escuto a não ser no som do silêncio ...
Fantasminhas que povoam as minhas lembranças ... palavras, cheiros e cores que se vão esbatendo na espuma dos dias ...

Uma vida ! A vida ... a única que detenho.  Até um dia ... quando for ... em que as portas definitivamente se fecharão !

Anamar