E depois Outubro vem assim na beiradinha de Novembro que é um mês que, pelas mais variadas e insuspeitas razões, eu detesto ...
Desde logo é o mês em que nasci, em que vou contando anos de vida ... ou descontando anos de vida, conforme a análise da questão.
Não tenho contudo muito de que me queixar. A vida, com os seus trancos e barrancos, com os seus altos e baixos, com os seus caminhos atrofiados alternando com estradas largas e luminosas, no "lavar dos cestos" como soi dizer-se, ainda que abusando da minha mente e do meu coração, tem-me aligeirado, apesar de tudo, os sustos e os percalços que me coloca à frente .
O meu céu ora escurece de borrasca eminente, ora desanuvia e vai deixando o sol espreitar por detrás das nuvens ameaçadoras ... ano após ano.
Viver é um risco, ouve-se dizer com demasiada frequência. Nada nos permite esquecer que vamos andando por aqui, passando pelos intervalos da chuva; nada nos faz acreditar em futuros seguros, em dias de amanhã promissores, porque a incertitude de cada momento nos mostra em permanência que a imutabilidade não existe, e se hoje amanheceu uma linda manhã de Primavera, nada garante que o dia não fechará em forte tempestade ...
Mas nada disto seguramente diferenciará a minha vida da dos restantes mortais, a não serem características personalísticas com que não fui fadada.
Há pessoas que sempre olham o copo meio cheio, enquanto que o meu, miseravelmente, sempre me parece meio vazio ...
Advindo talvez seguramente da educação que tive, a minha paleta de cores, sempre é mais para os tons escurecidos. Já sofro de véspera, sempre navego em águas de um cepticismo reconheço que exacerbado, espero sempre o pior, doentiamente, e quase sempre me maravilho face a desfechos diferentes dos antecipados !...
"Vês desgraças em todo o lado" ou ... "tudo é pesado, carregado, na tua vida" ... dizem-me com frequência, os próximos, sem sequer sonharem quanto sofro com isso ...
Tento domesticar este meu lado negativo. Trabalho o meu eu interior no sentido de me chamar à razão, mas ... na realidade, caio, levanto-me ... mas sempre esfolo os joelhos !
Desde miúda que a vida me foi apresentada como ameaçadora, como tendo muito maior probabilidade de dar errado, do que certo.
Um peso e uma responsabilidade talvez excessivamente grandes, sempre me foram colocados sobre os ombros e reconheço, tiraram cor, alegria e leveza aos meus dias.
Era o meu pai que quando eu nasci já tinha quarenta e oito anos e seguramente não viveria para "me criar", com o drama da minha mãe não usufruir proventos com que solucionar essa questão, era a aluna que deveria ser exemplar, sem contemporizações para pequenos desvios e insucessos, era a jovem desenhada e talhada para um casamento formal, enquadrado nos parâmetros da época, acontecesse o que acontecesse, a mãe que deveria abdicar de si própria em prole duma educação e encaminhamento criterioso dos filhos ... doesse a quem doesse ... em detrimento dos conceitos de felicidade, realização pessoal, perseguição dos sonhos ( talvez não muito sonhados ... ) ... e por aí fora !
Em suma, uma existência objectiva e realmente outonal, pesada, escurecida que me guiou e conduziu, deixando marcas, cicatrizes, desilusões, descrédito na vida e nas pessoas com quem fui coabitando cá por este mundo !
Hoje é o último dia de mais um Setembro, a três meses do Natal, em mais um ocaso do tempo...
Lá fora, a noite já se anuncia, os pássaros já recolheram, a aragem já esfria e sobrou o laranja na linha do horizonte ...
É quando o silêncio e a solidão pesam mais aqui, neste lugar de sempre, neste varandim sobranceiro a um espaço que nada me diz e onde as luzes da noite na cidade, que se vão acendendo aqui e ali, apressam as donas de casa de volta aos jantares das famílias.
Mais um dia chegou ao fim !...
Eu e os meus gatos continuamos por aqui, ao som deste tema doce, aconchegante e embalador ...
Anamar
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