sexta-feira, 19 de setembro de 2025

" OUTONECENDO "


Júlio Machado Vaz publicou o seu último livro denominado "Outonecer".
Irei comprá-lo amanhã, pois além de ter sido escrito por alguém absolutamente insuspeito a todos os níveis, profissional, pessoal, e penso que familiar também, habituei-me a admirá-lo. a gostar da sua lucidez enquanto psiquiatra, a apreciar o seu "modus vivendi" neste outonecer em que ele e eu estamos ( temos praticamente a mesma idade ).
A sua análise, abordagem e frontalidade na apreciação das questões que se prendem com a psiquiatria, a sexualidade, a sua avaliação dos afectos e das relações humanas que tanto perturbam uma sociedade cada vez mais doente, sempre me fascinaram, pela objectividade, assertividade e clareza.

Dele, guardo o que para mim é um verdadeiro tesourinho. 
Dada que sou a depressões recorrentes ao longo da vida, umas mais agressivas, outras menos, mas sempre deixando marcas profundas no meu "eu", e porque dada a sua localização geográfica sempre clinicou no Porto, enviei-lhe uma vez, há muitos anos, em desespero, uma carta pedindo-lhe ajuda, e orientação para as minhas mágoas e desordem mental.
Enviei a carta, ele não me conhecia ou sequer alguma vez me havia visto, e como tal, tinha como certo que a carta enviada não mereceria nunca nenhuma atenção privilegiada. Afinal o Professor era uma figura pública extremamente requisitada e ocupada.
Pois bem, Júlio Machado Vaz não só teve a gentileza, a amabilidade, diria até a generosidade de me estender a mão respondendo às minhas palavras, como, não podendo acompanhar o meu caso pela inviabilidade da distância a separar-nos, se disponibilizou, caso assim eu o entendesse, a indicar-me um profissional da área, aqui em Lisboa, com competência para me ajudar ...

Guardo religiosamente essa carta, até hoje.  
Ela, esse gesto, falam, sem dúvida de uma pessoa, definem um carácter, exibem um profissionalismo exemplar e ao mesmo tempo uma sensibilidade, disponibilidade e empatia face ao próximo, que raramente encontramos, sobretudo em determinadas áreas ou patamares sociais e profissionais.
Para mim, este gesto representa o perfil de um médico a sério. Este gesto é duma dignidade, dum altruísmo, dum entendimento do outro, raro, digno só de alguns seres verdadeiramente especiais, particularmente por alcançarem e valorizarem a fragilidade e o sofrimento das patologias silenciosas, como o é a chamada "doença sem rosto" que parece cada vez mais, atormentar e destruir esta sociedade em que tentamos viver ...

Tenho a certeza que irei apreciar profundamente este seu livro, como outros anteriormente publicados.

Obrigada Professor Júlio Machado Vaz ! 
"Outonoceremos" juntos, só que lamentavelmente não no mesmo barco.  A sua paz, a sua natureza, os sons e os silêncios que fisicamente são o seu reduto privilegiado, estão bem longe desta solidão e deste brouhaha infecto da grande e anónima cidade e dos seus casulos herméticos, onde só a distância e o silêncio predominam ... 
Como o invejo !...

Anamar

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