segunda-feira, 4 de agosto de 2008

"O MAIS É NADA..."

Vou ausentar-me algum tempo, na fruição de uns dias de férias.

Vou para outros horizontes, na busca de outro sol, outra lua, outro mar...
na busca de outras gentes, sensações, vivências...
na vontade de "pintar" a vida de outras cores...
na ânsia de segurar o sorriso, perseguir o sonho, mergulhar nos desejos, tactear "caminhos"...agarrar a esperança...

Vou deixar que outro vento, ao passar-me no rosto, me leve os beijos dos que ficaram...mesmo por pouco tempo...
Vou tentar enxergar em cada estrela, os meus amigos, os meus amores, o fim das "histórias"...as minhas e as que cruzei...

Vou finalmente rodear-me de rosas, amar, beber e calar....

simplesmente porque... "O mais é nada..."

Na minha despedida...para vocês, com um beijo.....o MESTRE!







































Anamar

"A NOITE"


















Hoje tenho em mim uma indefinição de sensações e uma amálgama de pensamentos em mistura destemperada e desobediente...
Nada ordenado, nenhuma linha lógica de raciocínio, apenas alguma sufocação na alma e no peito, alguma convulsão desordeira, porque em desordem mental e emocional também me pressinto...

Estamos a entrar em mais uma madrugada... afinal, a companheira mais certa e fiel que sempre me acompanha por cada vinte e quatro horas da minha vida...
Deixo-vos com uma divagação ao som de Sting, que por aqui espalha os seus acordes...desta feita ecoando no silêncio do meu quarto...

Deixo-vos com..."a noite"...






"Noite...
Mais uma noite que desce.
A ausência de gentes, de sons, de vida... o negro que tombou, são parceiros da noite.
A noite é arquitecta de sonhos e sentires inconfessados, é a ressurreição de quereres que tacteiam ausentes, sempre presentes nas nossas veias...
A noite é o amor que se faz quando não se faz amor e apenas se faz sonho...A noite é o querer feito desejo e o desejo feito fogo que nos consome...
Noite é a vela que se extingue, é o incenso que se queima no odor do suor espalhado.
É o rasgar de corpos que se profanam numa loucura de resgate desesperado. E é o silêncio que tem o som da vida que nos povoa a mente, quando a fadiga e a morte buscam em vão um contorno perdido na cama desfeita...
A luz da noite tem a magia de imagens-sombras, fantasmas alucinados que nos devassam o espírito e os corpos febris...É o mergulho doce no que não se entende porque não se quer entender...é a recusa do real
na busca do sortilégio.
A noite adormece o esgar da mágoa quando a dor é mais violadora e pungente, quando a solidão e a saudade partilham o nosso travesseiro, quando o cansaço finalmente nos entorpece...
A noite é o amante e o amor que ficou, mas também aqueles que hão-de vir...
É o vazio deixado pelo calor que partiu, buscando outras mãos e outra pele.
A noite embala o mistério que não se diz...
A noite cumplicia connosco os segredos de manhãs esperadas"...























Anamar

sábado, 2 de agosto de 2008

"VIAJANTE DO DESTINO..."









O meu pai teria sido cremado.
Por opção, por vontade expressa...tenho a certeza.

Ao tempo que ele morreu pouco ou nada se ouvia falar de cremações. Teria hoje cento e seis anos, se vivesse. Mas o meu pai sempre foi pragmático, racional, despojado.
Estranhamente nunca vos falei muito dele. Aliás, a figura do meu pai é um pouco uma figura "nublada" e controversa na minha vida.

Quando eu nasci, filha que fui de um segundo casamento seu, o meu pai tinha mais idade para ser meu avô, do que meu pai. E como avô (posso dizer), me tratou toda a vida.
O mesmo desvelo, a mesma ternura, a preocupação exaltada com tudo o que me dizia respeito, a ausência de ralhetes, a contemporização com os pequenos "desvios" infanto-juvenis, a necessidade de me "paparicar" e proteger, com toda aquela carga de "pai com açúcar", típica dos avós.

O meu pai era viajante de uma firma comercial...e viajante, naquela época, significava sair de casa a uma segunda-feira e poder regressar quinze dias depois.
Viajava de comboio, de camioneta, às vezes de táxi e em tempos mais idos, sempre ouvi dizer, que de burro e carruagem. Não esqueçam que o meu pai nasceu em 1902.
Sempre vivi entregue aos cuidados da minha mãe, quase exclusivamente, dada a sua longa e sistemática ausência.

Era o filho mais velho de cinco irmãos, oriundo de uma família muito pobre do Baixo Alentejo. Terá feito a instrução primária (juro que não sei se a completou) e foi compelido a enveredar no mundo do trabalho porque tinha quase uma família para sustentar. O meu avô "delegou" muito cedo esse encargo no primogénito. Aos sete anos, já trabalhava como moço de recados ou marçano, para um patrão que lhe pagava com uma "bucha" e pouco mais.
Era uma época muito difícil, de conturbações sociais e políticas. O Alentejo, sofria de grande e profunda miséria...
Era o tempo em que nos Invernos rigorosos de frio e chuva, porque as terras não podiam ser trabalhadas, a fome grassava.
Havia "ranchos de homens sem trabalho, em desespero, a pedir esmola pelas ruas"...contava-me.
"As terras estavam encharcadas, porque chovia dia e noite, meses seguidos...não se podia lá entrar" e nem a açorda de pão dormido com coentros, alimentava os filhos em casa, porque era preciso que houvesse azeite na almotolia...e os lavradores, senhores das terras, nem sempre se compadeciam com uns decilitros...

Casou, teve um filho e enviuvou, tudo no espaço de quatro anos.
"Pôs casa" às três irmãs quando casaram. Quer isto dizer que providenciou, em substituição do pai, para que no "enxoval" de cada uma, houvesse o que "pertencia à mulher, levar no casamento"... (tudo tão estranho para nós nos tempos actuais!...)
Teve que entregar o filho a familiares, para que o criassem, visto os pais entretanto terem falecido.
Assistiu, impotente, à progressão de uma doença irreversível nesse filho, ao atingir a puberdade.
Envidou em vão, todos os esforços possíveis e impossíveis que o avanço da medicina lhe facultava, para poder curá-lo.

"Perdeu" muitos anos sem horizontes, senão os do sofrimento, da dificuldade, da amargura, do trabalho...e tornou-se pai-avô e voltou aos desvelos, à ternura esquecida, aos sacrifícios, às preocupações redobradas, quando eu surgi na sua vida... vida já então muito gasta, muito cansada, talvez já um pouco desencantada...

Reaprendeu (ou aprendeu) a mimar, a cobrir-me bem quentinha com os cobertores no Inverno, a dar-me conselhos de agasalho (não fosse eu apanhar gripe), a não dormir sem que me desse um beijo de boas-noites, a "entupir-me" de chocolatinhos nos Natais, de amêndoas de licor nas Páscoas e de "esquimós" da pastelaria Suiça...
Aprendeu a surpreender-me com duas ou três bonecas, uma delas em porcelana, com mola na barriga p'ra chorar (a Lolinha, resistente até hoje e que décadas e décadas mais tarde, "baixou" ao Hospital das Bonecas, na Praça da Figueira, onde ganhou uma cabeleira e roupas novas)

Recordo o meu pai como uma figura de poucas falas, alguém que não exteriorizava fácil os sentimentos, alguém hermético, aparentemente distante, objectivo, racional, pragmático...
Podia vergar...nunca o vi quebrar!
Era tenaz, lutador, resistente...uma fortaleza!...
Esquecia a data do próprio aniversário e não a valorizava. Acontecia com naturalidade, passar esse dia só, se por acaso estava a trabalhar longe de casa.
Natais e Páscoas..."invenções do Homem que sempre pretendia transformar dias iguais em dias diferentes"...
Não pôs luto pelos pais nem pela mulher, uma postura quase provocatória numa época e numa sociedade fechada, moralista e atávica. Para ele, isso era hipocrisia que não fazia qualquer sentido.
"Enterrar os mortos e tratar dos vivos", uma máxima para momentos de dificuldade...
Parafraseava o Marquês de Pombal, homem prático e clarividente, ao tempo do terramoto...

E assim passou pela vida, o meu pai.

Morreu com noventa anos, dizendo-me que se algum dia o ouvisse pedir um padre, não acreditasse.
Dias antes de morrer (da sua cama articulada onde agonizou dois anos, com uma cabeça a funcionar e um corpo que o traíu), dizia-me, pragmaticamente, com uma noção da inevitabilidade absolutamente clara : "Isto está por pouco...Quero morrer nesta cama...a roupa, está nesse armário..."
E às minhas lágrimas incontidas e teimosas disse : "Não chores, meu amor...a vida é assim mesmo!..."
Passou então a mão descarnada e trémula pelo meu rosto molhado e tentou recordar como era dar-me um último afago...

E foi...

E deixou-me na maior "orfandade" do mundo!...
O meu pai levou até hoje, consigo, um pedaço de mim que nunca mais consegui encontrar por aí...

Acompanhei-o, de acordo com a sua vontade, até ao "jardim das memórias"...onde já não está há muito, tenho a certeza, porque o meu pai era viajante...e não era de parar muito tempo num mesmo lugar...

Teria sido cremado (hoje estou convicta)...

E se o tivesse sido, as suas cinzas viajando no vento, seriam o maior hino de homenagem ao espírito de um homem livre, independente, aventureiro, solto...um viageiro sonhador do destino...


"O meu pai foi de Lisboa...
foi do Tejo e das colinas,
foi do pregão que amanhece,
que ecoa e engrandece pela boca das varinas...
Foi da Praça da Figueira, do Rossio, Restauradores,
da Suiça à Brasileira...
foi daquela vendedeira que ainda hoje vende flores!
Em cada pedra de rua, em cada esquina de praça,
em cada nesga de céu ou neste sol que abraça
a cidade de Lisboa,
eu o vejo, ele perpassa naquele pombo que voa...
por essa cidade fora...
a cidade de Lisboa!...
Já cá não está...mas está!
Eu sinto-o aqui e agora...
E a cidade que ele amou, vestiu de luto e chorou...
quando ele se foi embora!...


Homenagem póstuma (aquando da data de aniversário 95-06-05 )


(O meu pai fez no passado dia 30 de Julho dezasseis anos que faleceu...Este, hoje, o meu beijo para ele...)





Anamar

"AMBIENTE - UMA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA"

Hoje este post não é propriamente meu.
Ele corresponde a um mail que me chegou às mãos, e ao qual, como "condómina" deste planeta, nem eu, nem ninguém, me parece poder ficar indiferente.
Prende-se a uma realidade tão triste, que por inconsciência, negligência, comodismo...parece querermos ignorar.
Não esqueçamos que este é o legado que estamos a deixar em herança à geração dos nossos netos!....
Não queiramos que seja um planeta sem VIDA!...



Um Oceano de plástico

Durabilidade, estabilidade e resistência a desintegração.
As propriedades que fazem do plástico um dos produtos com maiores aplicações e utilidades ao consumidor final, também o tornam um dos maiores vilões ambientais. São produzidos anualmente cerca de 100 milhões de toneladas de plástico e cerca de 10% deste total acabam nos oceanos, sendo que 80% desta fração vem de terra firme.



Foto do vórtex
No Oceano Pacífico há uma enorme camada flutuante de plástico, que já é considerada a maior concentração de lixo do mundo, com cerca de 1000 km de extensão, vai da costa da Califórnia, atravessa o Havaí e chega a meio caminho do Japão e atinge uma profundidade de mais ou menos 10 metros . Acredita-se que haja neste vórtex de lixo cerca de 100 milhões de toneladas de plásticos de todos os tipos.
Pedaços de redes, garrafas, tampas, bolas , bonecas, patos de borracha, tênis, isqueiros, sacolas plásticas, caiaques, malas e todo exemplar possível de ser feito com plástico.
Segundo seus descobridores, a mancha de lixo, ou sopa plástica tem quase duas vezes o tamanho dos Estados Unidos.



Ocean Plastic


O oceanógrafo Curtis Ebbesmeyer, que pesquisa esta mancha há 15 anos compara este vórtex a uma entidade viva, um grande animal se movimentando livremente pelo Pacífico. E quando passa perto do continente, encontram-se praias cobertas de lixo plástico de ponta a ponta




Tartaruga deformada por aro plástico



A bolha plástica actualmente está em duas grandes áreas ligadas por uma parte estreita. Referem-se a elas, como bolha oriental e bolha ocidental.
Um marinheiro que navegou pela área no final dos anos 90, disse que ficou atordoado com a visão do oceano de lixo plástico à sua frente.
"Como foi possível fazermos isso? Naveguei por mais de uma semana sobre todo esse lixo"...
Pesquisadores alertam para o facto de que toda a peça plástica que foi manufacturada desde que descobrimos este material, e que não foi reciclada, ainda está em algum lugar.
E ainda há o problema das partículas decompostas deste plástico. Segundo dados de Curtis Ebbesmeyer, em algumas áreas do Oceano Pacifico, pode encontrar-se uma concentração de polímeros de até seis vezes mais do que o fitoplâncton, base da cadeia alimentar marinha.



Todas a peças plásticas à direita foram tiradas do estômago desta ave

Segundo PNUMA, o programa das Nações Unidas para o meio ambiente, este plástico é responsável pela morte de mais de um milhão de aves marinhas todos os anos, sem contar toda a outra fauna que vive nesta área, como tartarugas marinhas, tubarões e centenas de espécies de peixes.



Ave morta com o estômago cheio de pedaços de plástico


E para piorar, essa sopa plástica pode funcionar como uma esponja, que concentraria todo o tipo de poluentes persistentes, ou seja, qualquer animal que se alimentar nestas regiões estará ingerindo altos índices de venenos, que podem ser introduzidos através da pesca, na cadeia alimentar humana, fechando-se o ciclo, na mais pura verdade, de que o que fazemos à Terra retorna a nós, seres humanos.


Fontes: The Independent, Greenpeace e Mindfully
Ver estas coisas, sempre servem para que nós repensemos os nossos valores e principalmente o nosso papel frente ao meio ambiente, ou o ambiente em que vivemos.


Antes de Reciclar, reduza!


Anamar

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

"CRIADORES DE SONHOS"




















Autor de imagens: Vonck


Anamar

quinta-feira, 31 de julho de 2008

"6000 MILHÕES DE MARIONETAS..."






Quando entrei no café ele já lá estava...

Numa mesa bem ao fundo... Só. Uma pasta na cadeira ao lado, papéis indistintos à frente, penso que uma chávena de café já vazia...
Não analisei melhor..Era um homem comum, de meia idade, óculos no rosto, roupa modesta... Parecia alguém que trabalhava, absorto, isolado, afastado da zona de maior confusão da sala.
Estava e não estava ali...ou melhor, estava entregue ao que aparentemente fazia.

Eu, conversava com um amigo, sobre tudo e sobre nada, enquanto comia a minha torrada e o meu galão, do meu "dois em um" das quatro da tarde, ou seja, do meu pequeno almoço que o não é e do meu almoço que também não...

Passou algum tempo, não sei quanto e o meu olhar foi repentinamente atraído para aquele homem que regressava dos lavabos...
Dirigiu-se a um lavatório que existe já na sala, molhou abundantemente o rosto, limpou-o a um lenço de mão, encostou-se ao balcão como que a tentar apoiar-se, experimentou respirar bem fundo, com aparente dificuldade. As lágrimas que o tinham levado, sem que eu desse por isso, à casa de banho, continuavam a traí-lo e tentavam despudoradamente reinundar-lhe a cara.
Aquele homem "sangrava"...aquele homem arrastava o mundo...

A expressão era totalmente ausente, como se nem percebesse haver gente por perto, ou como se a dor que o consumia não lhe deixasse espaço p'ra sentir que isso fosse importante.
Pegou nos papéis, pegou na pasta, repôs os óculos e (eu jurava que sem sequer ver por onde) saíu...

A minha perplexidade chamou por certo a atenção do meu amigo, que fez um enorme ponto de interrogação com o olhar.
Narrei-lhe, constrangida, o que acabara de assistir.

"Mais uma, das seis mil milhões de marionetas"...respondeu-me.



Costumamos com alguma frequência trocar ideias, exprimir inquietações, levantar dúvidas, especular sobre a existência humana...sobre o lugar que cada um de nós ocupa, sobre o papel que cada um de nós desempenha nesta "travessia". Analisamos, interrogamo-nos, extasiamo-nos, confrontamo-nos com a pequenez, com a aleatoriedade a que estamos votados... com a solidão que muitas vezes parece o nosso destino, com o ilogismo do que vai acontecendo.
São conversas metafísicas, meramente académicas, são dúvidas existenciais, de "pescadinha de rabo na boca", que nos aliviam mas não nos aquietam os espíritos...



Rebelamo-nos contra as desigualdades abissais (inexplicadas e inexplicáveis) instaladas, contra injustiças tão injustas que não há a mínima lógica que lhes presida.
Preocupamo-nos com a possibilidade de afinal, não existir mesmo significância para este arrastar de "correntes" por cada dia que passa...
Lançamos para a mesa teorias...

Cientificamente a existência do nosso "lugar", do nosso universo, do Homem enquanto Homem, parece-nos talvez aceitável, mas curta... Ao longo da sua vida, cada ser humano arregimenta um manancial de vivências, de conhecimentos, de espiritualidade, que o transforma só por si num Ser, de facto, superior, cuja essência não poderá ser desperdiçada.
Esse "capital" acumulado, esse "know-how" adquirido não pode ser perdido no fim da jornada, ou essa jornada não terá nenhum tipo de sentido.



Por outro lado, o sofrimento e as turbações que experimentamos, sempre são por conta do alcance duma vida extra-terrena compensadora e purificadora de toda a imperfeição, incompleição, inferioridade que vivenciamos enquanto seres manifestamente terrenos, num caminho de aprendizado para estádios divinos superiores, só atingíveis por alguns...os predestinados neste degredo...

Essa é a "história" das religiões, com a qual se tenta abafar convicções desconfortáveis de injustiças, raivas, inaceitações...
Esse é o "desiderato" com que nos acenam, para que levemos sem grandes "turbulências", os sofreres desta vida...

É por isso "outra" história...



Normalmente, eu e o meu amigo, costumamos provocatoriamente levantar uma terceira (insólita, perturbadora e irónica) via para a nossa existência e para a razão de por aqui penarmos, na grande generalidade sem sequer nos questionarmos, talvez...

É a teoria "das seis mil milhões de marionetas", seis mil milhões de peões num tabuleiro de xadrês, onde fomos largados, onde somos mexidos com cordelinhos invisíveis pelo grande "construtor", num ensaio inacabado, ou quiçá falhado, numa experiência em teste, numa proveta sem que se vislumbrem os "produtos da reacção"...

É a hipótese mais plausível para que aceitemos a aleatoriedade notória, o acaso pairante, a passagem diária "pelos intervalos da chuva"...perfeitamente em roleta russa, sob o olhar, (eu imagino) desconcertado, esfusiante, maquiavélico, talvez raiando o sadismo, de quem tão bem sabe mexer as "marionetas" com que se entretém a brincar...



Anamar

terça-feira, 29 de julho de 2008

"VIAGENS DE GENEROSIDADE..."




Fui hoje almoçar com a minha mãe.

A minha mãe, logicamente, é uma senhora idosa com uma "estrada" longa, sinuosa lá para trás...
Do tempo em que se abandonava a escola para criar irmãos mais novos em casa, do tempo em que se mourejava na casa paterna sem prorrogativas especiais pelo facto de se ser filha e não, empregada.

Os meus avós viviam no Alentejo interior; eram detentores de uma pequena residencial, o que significa só por si, casa com muita labuta, sem horários, sem parança, sem descansos.
A minha avó cozinhava (parece que muito bem), o meu avô, como chefe da família, encarregava-se da gestão do negócio, das compras e de finalizar por norma os seus dias, na taberna com os amigos a beber o seu copinho em paródias e petiscadas. Isso era privilégio exclusivo dos homens, numa sociedade machista, conservadora, fechada...



A minha mãe era a filha do meio, de cinco irmãos...Raparigas, apenas duas.
A minha tia casou muito jovem, tendo a minha mãe ficado na casa dos pais quase até aos trinta anos, o que significa que a sua vida (nascida nos anos vinte, no interior de um país arreigado a princípios sexualmente discriminatórios e desigualitários, com o acesso à instrução acentuadamente dificultado, pertencendo a uma classe social não abonada nem material nem intectualmente), não terá sido fácil.

Sempre foi uma mulher forjada em muito, muito trabalho.
Por isso, até hoje, para a minha mãe parar é preciso que esteja na "antecâmara da morte"...
Como ela diz, "o bichinho " está lá dentro instalado e por vezes, não sabemos bem como, lá anda ela de volta da vassoura, do pó, das panelas...da roupa.
Costumo dizer a brincar, que um dia a faço acompanhar para a última morada com alguns destes utensílios...

Fez a quarta classe já casada, para poder tirar a carta de condução; na altura era eu aluna no início do liceu e como gosta de afirmar, fui eu que a "preparei" para o exame.
Devo acrescentar, que a preparação consistia em fazer-lhe perguntas sobre a História de Portugal, os rios e as serras, da Geografia, algumas noções de matemática (forçosamente não poderiam ser muitas) e pouco mais...
Como diz até hoje : "...e depois, enquanto a minha filha estava no liceu, eu, na cozinha e cá na minha vida, levava o tempo a repetir as dinastias, as linhas férreas e a fazer contas de cabeça...e assim, aprendi tudo e passei com distinção"!...





Nunca conheci à minha mãe vida própria...Os seus desejos, gostos, objectivos, sempre se pautaram pelo interesse familiar. Reivindicações nunca lhe ouvi, descontentamentos também não. Crises existenciais...menos ainda!...Sonhos?...Não sei se os teve para além de desejar que a minha vida tivesse sido melhor que a sua própria...
Pelo menos, melhor no que para si era realmente importante : a segurança, a estabilidade económica, a realização profissional, o rigor, honestidade e seriedade nos valores e na postura pessoal, familiar e social.
Com todos esses "condimentos"eu teria tido o necessário para ter uma vida irrepreensível, plena, feliz!...

Os seus horizontes foram talhados por uma época, uma geração, uma educação, uma sociedade, enfim...

Deu o que tinha...Não podia dar mais, porque mais não sabia...





Olhando hoje para a velhinha alquebrada que estava na minha frente, fiquei feliz, porque pelo menos a minha mãe, com toda a pequenez/grandiosidade da sua vida, faz parte da última geração que ainda tem quem dela possa cuidar, devolvendo-se dessa forma um pouco da entrega, generosidade, abnegação e dádiva que devotou aos seus filhos.
Trata-se de uma espécie de "reposição de alguma justiça"...alguma "compensação" na alma e no coração...

Mercê da vida, dos percursos trilhados, das realidades com que nos dividimos, eu e as mulheres minhas contemporâneas, já não seremos seguramente bafejadas com essa sorte...

Sinal dos tempos!!...


Anamar

"OS MEUS LUGARES"




Outra madrugada instalada, sono dormido por "tranches" e a cama a dar "formiga" no corpo.
A pestana abre, consulta-se o mostrador do relógio digital ainda às escuras, na remota esperança de que o sono possível que resta não fuja, e finalmente, depois de termos rolado dez vezes para a direita e outras tantas para a esquerda... a "desistência".
O sono foi definitivamente "p'ro espaço".
Enya, por aqui, como companheira (graças a um amigo muito querido), e o silêncio tão meu conhecido da madrugada, bem ao alcance dos silêncios, neste momento instalados no meu coração...

A minha vida está virando uma "desregra" absoluta. Dou por mim com a anarquia instituída...Estou a tornar-me de facto, (graças ao descompromisso total com terceiros), uma pessoa com uma vida absolutamente sem normas.
Os sonos fazem-se por "etapas", as refeições pelas "horas do estômago", tão simplesmente...

Apercebi-me nos últimos posts que escrevi, que pareço privilegiar neste momento, alguma necessidade subjectiva de vos caracterizar ou referenciar os espaços físicos onde me mexo, que me rodeiam, por onde circulo há décadas.
Assim vos falei da minha praceta, assim vos falei do meu prédio e do seu "recheio humano"...Hoje, senti necessidade de vos falar, como costumo dizer a brincar, da minha "segunda casa"...o Escudeiro, café-restaurante, à distância de um apenas atravessar de rua.

O Escudeiro é quase um "ex-libris" da terra onde vivo.
Instala-se num edifício logicamente antigo, existe enquanto café-restaurante há tantos anos, quantos aqueles em que habito o meu prédio... mais de três décadas.

Os donos do Escudeiro são três...Começaram jovens no projecto, foram com ele envelhecendo e hoje gostariam de poder passar o Escudeiro para outras mãos, porque o Outono da vida já lhes acena há que séculos, com promessas de descanso.

O Escudeiro não mudou um milímetro ao longo dos tempos...
Não mudou as "caras", não mudou a decoração, não mudou sequer o cardápio.
É um daqueles locais de bairro onde as pessoas do costume não prescindem dos lugares do costume, do jornal do costume, da ementa do costume...até das conversas do costume...

Pelo Escudeiro passaram já várias gerações.
Abriu na minha, viu nascer e "criou" os filhos da redondeza, acolhe agora os netos. O sr. Gonçalves já dava bolinhos ou rebuçados às minhas filhas...agora presenteia-lhes os filhos.

Os lugares no Escudeiro são "cativos"...quais lugares de bancada para os sócios.
A D. Margarida, na cozinha (tão velha quanto o Escudeiro), continua a ser "tripeira" de clube e não perde oportunidade de dar os seus "bitates" a sportinguistas ou benfiquistas frequentadores. A D.Margarida, gorducha e bem disposta como convém a uma cozinheira que se preze, só ainda não morreu do coração, porque o "seu Porto" não lhe tem dado felizmente muitos desgostos...

A "sport-tv" que sempre exibe um jogo de circunstância, reúne no Escudeiro adeptos "de todas as cores e credos", e à volta de "loirinhas" estupidamente geladas se vai fazendo a Liga, os campeonatos, se ganham e perdem os troféus.
Toda a gente opina, toda a gente defende tácticas..."vira" "mister" de trazer por casa. Discutem-se acaloradamente as jogadas, os golos falhados, as facécias dos homens do apito...
Sempre assim...da mesma forma.
Os donos são ecléticos na cor clubística, como convém ao gosto de todos os clientes...O sr. Veloso aguenta as piadas sobre "os pastéis", o sr. Alexandre aguenta os sofreres do "glorioso" e o sr. Gonçalves, homem de esperança tal como as cores do seu clube, sempre diz : "soma e segue"...(nunca entendi que raio de matemática é a dele...)

A fidelidade dos frequentadores é canina...Só desistem os que mudaram de terra ou trocaram esta pela "outra".
De quando em vez, dou por um lugar persistentemente vazio e fico a saber que o sr. Jorge já está num lar (ainda há pouco dizia tonteiras no balcão...), que o sr. António se mudou p'ra "linha" porque a única filha vive lá e o sr. António aqui, sozinho...Fico a saber que o sr. coronel perdeu a mulher e agora "habita" o Escudeiro em regime "vitalício" (com o filho esquizofrénico de rosto parado e amarelo, tal como os dedos...pelos cigarros que o queimam...) Fico a saber que o sr. Abel recentemente viúvo e que definha a olhos vistos, enfia a cabeça no jornal para se ilhar de quem está à volta...Enfim...as histórias tristes dos "meus lugares"!

O Escudeiro é, como costumo dizer, a minha "segunda casa".
Quando entro para o pequeno almoço, na primeira visita do dia, o que aliás ocorre no timing de almoço das gentes normais como já vos expliquei, o meu lugarzinho do balcão já me espera. E se por acaso o não está, tenta dar-se um jeito para que eu vá para lá...
Aprenderam a conhecer-me e a "mimar-me" naquele local...Pelo meu rosto logo percebem se a noite foi de sono apaziguador, se a dentada do pão não "desce"...se o apetite se foi.
É vulgar adoçarem-me o espírito com pequenas "carícias", sejam meia dúzia de bagos de uva num pireszinho, seja um pedacinho de melão aos quadradinhos (porque "a sra. precisa comer")...seja o gesto simples de me deitarem as duas "bolinhas" de adoçante no galão, de me "obrigarem" a comer um pastelinho de bacalhau "ainda quentinho"... ou de me guardarem, para ler, aos sábados, a revista do JN...

O meu semblante é alvo de "análise", o meu sentir é perscrutado...a minha tristeza ou alegria no momento, percepcionada.
"Hoje está triste"!..."Não gosto de a ver assim"!...
E enquanto o cigarro ia ardendo, quantas e quantas vezes mascarei, por detrás dos óculos escuros que enfio à pressa, lágrimas descaradas que me escorrem...
No Escudeiro já chorei, já "galhofei", já relembrei...Já mantive diálogos pseudo-profundos sobretudo com o sr. Alexandre (homem que foi "embarcadiço" anos e anos... "fino" que só ele...) sobre tudo e sobre nada...Já fiz das suas mesas, escritório, na redacção de escritos a esmo...Já ouvi, em longos e amenos "bate-papos" as confidências e amarguras da minha filha, que em passagem por aqui, pasme-se...prefere ir ao Escudeiro a encontrarmo-nos aqui em casa(!!!)...Já tomei muito chá com a Bia, a Lena, a Fatinha...Já desci algumas vezes à noite (p'ra enganar a solidão e a mágoa), a beber "o melhor Irish Coffee" que conheço...Até a minha empregada, se eu não estou, sabe que a chave da porta está...no Escudeiro!

A minha "segunda casa"...

"Livrem-se de passar isto"!!! - digo eu, em jeito de desafio, a rostos quantas vezes já tão desistentes e cansados, por lá.

O Escudeiro faz, por todas as razões do mundo, parte absoluta da minha vida e acho que eu morreria por dentro se um dia descesse e visse aquelas portas fechadas, ou se aqueles senhores rabujentos e rezingões às vezes, não estivessem mais por detrás daquele balcão...

São as "histórias dos lugares"!...E os lugares fazem as pessoas...e as pessoas completam vidas nesses lugares...cada qual com as suas...transversais à eternidade!!...


Anamar