sexta-feira, 8 de maio de 2009

"...para uma emergência tua!..."

O meu afastamento definitivo, profissionalmente falando (reparem que não pronuncio "aposentação"), continua a mexer-me, a desestabilizar-me, a entristecer-me, a deixar-me doente, sobretudo mas não só, na alma.

Sim, porque eu acredito que os males da alma induzem males do corpo...

Por isso hoje rumei uma vez mais à CGA, a fim de esclarecer o inesclarecível, ou me certificar afinal de nada de novo, a não ser, confirmar quão parcos são os proventos com que terei de viver no resto dos dias que me forem concedidos (isto, se atentarmos ao que se lê nos jornais todos os dias, que tão escandalosamente nos deixam boquiabertos com o chorudo e a multiplicidade de pensões atribuídas, só porque...sim....)

Tirei senha, sentei-me, olhei à volta em pormenor, as pessoas, os seus semblantes, os seus ares desanimados na grande generalidade...
Sim, porque poderiam ser ares esperançosos, ares de alívio, ares auspiciosos, como quem afinal irá encetar uma nova vida que não terá/deverá ser menos meritória, menos válida, menos feliz, menos gratificante.
Ao contrário, em condições normais, este "abrir de porta" deveria conduzir o ser humano a merecidas e desejadas vivências, nunca consumadas por falta de tempo, a experiências até então apenas sonhadas, a um tempo de liberdade acrescida, que propicia criatividade, possibilidade de fruição de alguma "desresponsabilização" de tarefas que o ocuparam grande parte da vida...criados que estão os filhos, e netos com quem cuide deles preferencialmente.

Mas não...aqueles rostos, incluindo o meu, certamente (não me via ao espelho mas sabia-me tensa), eram efectivamente de cansaço e desânimo.
Havia ali tristeza naquela sala enorme, como se fosse uma antecâmara de algo muito desagradável e incerto...
E não me digam (porque não acredito), que era mágoa pela profissão a deixar, apreensão pelo que se estava largando para trás, já saudade de tudo de que se prescindira em função "daquele" sacerdócio...saudade da alegria partilhada, da esperança acompanhada, da felicidade pelos êxitos e tristeza pelos inêxitos das gerações e gerações a quem fomos dando ao longo dos tempos, uma "mãozinha" na busca do caminho que procuravam...

Esqueci de dizer que a "população" daquela sala, era, senão total, maioritariamente de docentes...percebia-se, via-se, ouvia-se...

Na fila por detrás de mim, estavam duas senhoras, colegas de profissão.
Não as olhei porque não fui capaz.
Conversavam baixinho, aguardando que o número do visor as chamasse a um dos atendimentos.
Vou tentar repetir o mais fielmente possível, o teor do diálogo, pois apesar de ser em surdina, era audível aos meus ouvidos e era devastador no eco que me foi fazendo no coração.

Dizia uma: "Ora bem, tanto para a luz, tanto para a água e gás... NET, tu não tens, portanto não tens isso para pagar (e iam aparentemente somando parcelas num qualquer papel). Mais ou menos, quanto gastas por dia em alimentação?..."Sim, mas junta aí...tanto para a empregada..." "Este aqui, fica assim para uma emergência tua, estás a ver?"...

Fui salva pelo "gongo" que é como quem diz, pelo "pi" que anunciava o meu número 181, e pulei dali para fora, sentindo ter levado uma marretada na cabeça, num misto de alívio súbito, com um confusionismo mental que advém sempre de qualquer estado de choque, e penso que caminhei tipo "autómato" até ao guichet 10, onde, eu acho, quase já não saber o que ia perguntar, tal era a "branca" que se me estava a instalar...

Estou incomodada até agora, estou triste até agora, tenho vontade de chorar, estou amarfanhada, estou defraudada, um pouco morta por dentro.

E pergunto-me: "É isto que merece alguém, qualquer um afinal, ao fim de uma vida, ao fim de uma entrega (em detrimento, quantas vezes, da sua vida pessoal e familiar), ao fim de tanta aposta, tanto esforço, tanto sonho (sim, porque um professor sonhou e muito, enquanto o foi)...é isto??!!...
Ter de contar os parcos tostões, assim, a este nível, da conta da luz à do gás, passando pelo hipotético sobrante para "uma emergência"??!!...


Eu falei em "afastamento definitivo da minha vida profissional" e não em aposentação, como dizia no início...
É que, "aposentação" parece encerrar de facto, em si, por todas as razões, uma carga tão negativa, tão aviltante, tão humilhante, decepcionante, indigna e triste...que até parece uma aposentação, não de uma profissão...mas sim, uma aposentação da própria VIDA!!!...

Anamar

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