quarta-feira, 3 de abril de 2013

" DEVANEIOS "



Gosto de escrever, de fotografar e de viajar.
Aqui estão as três actividades ou "hobbies", que mais gozo me dão, fazer.

Com a primeira, imprimo as emoções, que são sensações já trabalhadas.
Extravaso, tricotando ideias, misturando convicções, buscando respostas para dúvidas, desenhando no papel, o imaterial que está dentro de mim, trazendo à luz, o que faz parte do domínio da escuridão da alma.

Escrevendo, abro-me, disseco-me, com os bisturis do sonho que não refreio, e que deixo fluir ;
avanço por mim adentro, cirurgicamente, na busca de cantos e recantos inalcançáveis ... alguns que nem suspeito que existem.
Na escrita me exponho, me questiono, às vezes numa conversa de surdos, porque não obtenho respostas de nenhum lado.
Com as palavras, dialogo com parceiros reais, umas vezes ... inexistentes, outras.
Com as letras, construo e desconstruo cenários inverosímeis ou só sonhados, por inviáveis ;
Brinco de caleidoscópio de alfabetos, e giro, giro as pecinhas, que aleatoriamente, no jogo de espelhos, como na vida, me devolvem o possível e o impossível, e me deixam brincar, sem reclamarem ...

Ao escrever, fotografo e viajo.
Faço a minha fotografia subjectiva, do objectivo, e do que invento ;  fotografo-me e fotografo os outros, e o tudo, que é o somatório dos retalhos, por aí perdidos.
A escrita é frequentemente a minha alucinação, porque é livre, não censurada, libertina.
E viaja.
Viaja sem fronteiras, sem barreiras ou moralismos.  Vai exactamente até onde eu quero ... até onde eu sinto.
Pode ser carrancuda, de cenho carregado, de sobrolho franzido ... ou pode ser brincalhona, infantil, desarmada, inconsequente, lúdica, como num jogo de roda.
Com ela, posso construir um zoo de homens enjaulados, e um mundo de bichos livres e coloridos ... É só eu querer !
Ela pode decidir por um sol prateado em vez de dourado, a iluminar um firmamento verde-esperança ... ou escolher um calendário só de Primavera, com o mar sempre manso e preguiçoso, a dormir na areia branca, com gaivotas, mas também com flamingos ... porque eu gosto !!!
Ou então, um céu negro de borrasca, com nuvens encasteladas e vento zangado e bravio ...
E com todas as corolas da Terra, a abrirem flores, sem cessarem ... com as cores que nenhum artista matizou ... Só porque eu gosto também !...

Enfim, com a escrita pincelo telas, crio histórias que existem e que não existem, e mergulho nelas, confundo-me com elas, e com elas mascaro a minha própria história ...

Quando fotografo, escrevo de outra maneira.
Quando fotografo, procuro com o olho da câmara, aquilo que os meus olhos nem sempre vêem.
Recorto do que vejo, só o que me "toca", e deixo o resto às escuras.
Quando fotografo, tenho o poder mágico do Aladino da Lanterna, tenho o poder divino de fazer e desfazer, num piscar de olhos, e num clique temporal.

E  invento como quero, também ...
Posso  tornar aquele canto de tonalidades mil, de sol e luz esfuziante, num lugar tão cinzento, escuro, frio  e nebuloso, como o meu coração poderá estar naquele momento.
Basta querer ...
E posso fazer ao contrário, e abrir de repente, aquela imagem penumbrenta, em luz e cor, à medida da minha loucura, e do meu prazer lúdico de ser Deus !!!

Depois, bem, depois é dar som e cheiro a tudo aquilo ...
E juro-vos ... não tem nenhuma dificuldade !
Todas as minhas fotografias têm calor, frio, sol, chuva, aromas doces de campos íntimos, perfume entontecido de mimosas ou glicínias,  chocalhos de ovelhas na pastorícia, e zumbidos de abelhas  e zângãos, a beijarem descaradamente os botões das roseiras bravas, recém-abertos ...
Todas têm o sopro da brisa que perpassa, o grasnido das gaivotas, o piado da coruja, e a batida das ondas, mansa ou agreste, nos rochedos lá  em baixo ...
Todas têm o afogueado dos rostos, e o suor dos corpos, as batidas descompassadas dos corações, as cumplicidades gravadas em sussurros ou silêncios, o frio das mãos geladas, entrelaçadas nos bolsos, e têm também os risos cristalinos da felicidade, ou mesmo o soluço das lágrimas, que correram teimosas ...

E têm voz ...

Têm palavras que foram ditas, e ficaram ... palavras perpetuadas, que se colaram à imagem, e fazem a história daquela fotografia "ad eternum" ...
Ou silêncios adivinhados ... que não desvendam o seu significado ...
E contam, por isso, histórias também ... Escrevem momentos ...

As viagens ...
Bom ... viagens é tudo o que faço, vinte e quatro horas por cada dia.
Viajo quando vou, e viajo quando fico...
E  faço  as  mesmas  viagens,  rescrevendo-as  e "pintando-as", das  mais variadas  formas, com  todas  as  nuances possíveis,  a  meu  belo  prazer !
Viajo acordada, sempre ... neste espírito inquieto, sôfrego, insatisfeito e meio desbaratinado, do meu "tudo" ou "nada" ...
Viajo na inconformação de me saber confinada a espaços, a pedaços de vida, curtos demais para a minha ânsia ...
Viajo, quando me transmuto constantemente em outras personagens que invento, porque as desejo muito ...
E viajo a dormir, à minha revelia, p'ra destinos que nem escolho.
Às vezes, queria aquele sonho em "suporte de papel" ou registo fotográfico, para o reler e o rever, até me esgotar ... para nele viajar uma e outra vez, até me exaurir ...
Outras, não !!!...

Mas quer escreva, fotografe ou viaje, levo na minha bagagem o sonho que me acompanha, levo na cabeça o chapéu que me protege das intempéries do destino,  nas mãos, as flores que vou colhendo nas bordas das estradas ... e no coração a ingenuidade da criança que nunca deixarei de ser !!!...


Anamar

2 comentários:

F Nando disse...

Como há sempre uma cor de azul numa tela escura e surge uma imagem clara, ou mesmo de umas palavras fazer uma prosa pintada em poema...
Quando aqui venho e mesmo sem deixar um traço, há sempre viagens, retratos e palavras tais como num postal... DEVANEIOS!

anamar disse...

Olá Fernando

Ainda bem que lês os meus "postais"...e ainda bem que, tu sim, que és o artista desse imaginário que é a fotografia ... descobres pelo menos um "borrão", nestas minhas incipientes pinturas !

Bem-hajas e beijokinhas

Anamar