domingo, 26 de outubro de 2014

" DE TUDO UM POUCO ! "




Reincido no tempo !  Salvam-se as castanhas assadas, que estão no tempo, e já fumegam por aí !

Eu, estou com um pé em cada estação.  Tenho um olho guloso na praia que não pisei por cá, este ano...  tenho a ânsia de coração, da renovação que as Primaveras nos trazem ... experimento interiormente a nostalgia e o encasulamento de um Outono meio louco, que padece de sezões ... e pareço precisar urgentemente, do frio e do desconforto que o Inverno promete, para assim aceitar com alguma bonomia,  a vida confinada às quatro paredes deste quarto, aberto como sempre, sobre o casario desordenado duma terra sem história, simpatia ou beleza.
É verdade que o sol se põe ainda entre os laranjas e os vermelhos, é verdade que ainda desenha lindos ocasos lá ao fundo ... mas sente-se tudo fora de ordem ... na Natureza e em nós próprios ...

Ontem, "Os gatos não têm vertigens" ... uma ternura que até estranhamos.  O desempenho magistral duma Maria do Céu Guerra  igual a si própria ... sem beliscadura.  Um filme "naïf", com tanto de verdade, de realismo e de emoção, que nos embala o sonho e ilumina o espírito.
Tantas questões ali respondidas !  Tantos sentimentos ali experimentados !
Fiquei a saber ( e isso aqueceu-me a alma ) ... que não sou velha ... sou "vintage" !!!....   (rsrsrs)

Depois, a arrecadação, lembrando um campo de batalha, onde já não pisava talvez há mais de dois anos.  Uma "conveniente" avaria não reparada da porta, impediu-me o acesso a tralhas de uma vida.
Esta minha arrecadação é ecléctica  no recheio, e guarda histórias contadas ao longo de todo o sempre.

Ela guarda as provas provadas de uma família.  Lá, tudo mora.
O que por já não ter préstimo imediato, não garantiu lugar na casa,  o que guardava expectativas de reutilização um dia, às mãos dos vindouros, e aquilo que ainda se mantém "em trânsito" entre o lá e o cá, como é o caso das malas, de próximas, longínquas viagens, com muito de sonho, e não tanto de realidade ...
Chegou a hora de abrir a porta, de franquear a entrada, de tomar pulso ao poder do tempo sobre as coisas ... e de decidir. Decidir o que fazer à montureira guardada ... Se a redefinir, se continuar deixando-a  ao percurso do tempo, para um dia alguém ser compelido a tomar tal tarefa em mãos ...

Achei que teria que agir.  Porque se nada daquilo me fez falta durante tanto tempo já, não fará seguramente nunca mais !

Olhei as gaiolas e os viveiros dos pássaros que já tive.  Vazias, ferrugentas, parecem apartamentos devolutos sem vida !
Olhei as "toneladas" de livros escolares, dossiers de arquivo, cadernos e testes.  Se nunca mais ninguém  os  utilizou,  caídos  em  desuso,  nada  já  se  adequa ... O  "papelão"  os  aninhou !...
Olhei os suportes de garrafas, sem garrafas.  Vinhos que azedaram, ou se delapidaram de alguma forma .  Ninguém lhes sentiu a falta !
As historinhas infantis e adolescentes, da infância e juventude das minhas filhas e minhas também ! Para essas, garanto um final mais feliz.  Tenho uma menina de dez anos, que felizmente gosta de ler.
Acho que apreciará !
E tenho jogos e peluches e bonecas, e "chorões", e legos, e loicinhas e "pinypons" ... e berços e carrinhos, e toda a panóplia de cangalhada que faria as delícias de um rancho de meninas ...
Tenho dois rapazes e uma rapariga, sendo que o mais novo já fez sete anos ...
Nunca a "arrecadação" desceu, pela escassez do tempo, quiçá pelo "démodé" dos brinquedos !...
Olhei a arca, cheia dos papéis dos sonhos ...
Eu explico :  à medida que as minhas filhas, uma a seguir à outra, aprenderam a fazer riscos, desenhos, colorir, pintar ...
à medida que produziam em série, paisagens ordinariamente providas de casa, sol com olhos, árvores maiores que a casa, flores que eu diria gigantes, e um boneco e uma boneca, por via das dúvidas legendados ... "papá" e "mamã" ...
à medida que esse manancial artístico era produzido, juntamente com os primeiros "os" e "as", e "is", dentro das duas linhas bem juntinhas a conterem as letras entre si, nos primeiros cadernos ...
à medida que as palavras incipientes,  de duas sílabas, as primeiras frases de uma linha, e redacções de três, eram articuladas ...  eu sonhei que um dia, sim, com todo o tempo do mundo, com toda a paciência do mundo, com toda a placidez, eu iria desfrutar ainda enlevada e babada de novo, tudo aquilo ... sendo que o faria com a paz, a serenidade e a disponibilidade que me seriam conferidas pela fase da vida que então viveria ...

Pois bem ...
À semelhança de tudo na nossa existência, adiar é um erro.  Guardar para revivenciar, um logro. Esperar o reencontro com emoções "em marinada", um engano.
Há que esgotar o momento, e nunca deixar para trás. "Agora", é a hora para o que essa hora nos dá. Deixar que o bafio penetre os nossos sonhos ... inadequado.  Viver até à exaustão, uma ordem !
Nunca nada se repete, a vida é permanentemente mutável ... e o significado das coisas, único !
Resta-nos a mágoa irremediável da saudade.  E a saudade é uma realidade inacabada ... que veio "à forra" e nos faz sofrer !
Inevitavelmente !!! Tão inevitavelmente, quanto o é o percurso inapelável e inexorável do tempo !

Decidi que não quero, nem posso fazer da vida uma "arrecadação", como a minha.
Empoeirada, desarrumada, desordenada, escura ... sem luz ou sol que a rasgue.
Com um recheio obsoleto,.. imprestável !  Uma arrecadação de memórias, que foram fugindo em bando, pelos interstícios da porta !
Uma fotografia a sépia, cuja precisão vai sumindo na penumbra !...
Bafienta.  Com um imobilismo ou adormecimento, anquilosantes ... incapacitantes ... mortais !!!...

De tudo um pouco, neste fim de semana "ronceiro" ...
Um fim de semana em que também a hora mudou, para antecipar a noite e a escuridão, a dias de verão que se recusam a invernar ...
Tudo  morno,  um  marasmo  oxidante ... uma  modorra  de  tarde  estival,  pegajosa,  a  destempo !!!

Anamar

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