Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
" INEVITABILIDADE "
Não sei como será viver-se, tendo como esperança de vida, não ter esperança de vida ...
Não sei como será acordar-se, e por cada manhã constatar que mais uma noite passou, e voltaram a esquecer-se de nos vir buscar, durante o sono ...
Para o bem ou para o mal !... Ainda não foi desta ...
Não sei como é, olhar o mundo do poleiro da ramagem, da emoção daquele galho que já foi nosso, e saber que os voos não se podem fazer com as asas já cortadas ...
E sentir o fervilhar da vida por aí, ouvir dos projectos e dos sonhos, perceber a pulsação dos que riem, dos que falam e se agitam, e entram, e saem, e caminham ... porque têm caminho à sua frente ...
Conviver com o sorriso feliz e iluminado, dos que têm esperança ... porque têm vida !!!
E não têm paciência, disponibilidade, vontade ou interesse, para ouvir aquela nossa história que nos garantem, repetida já, cem vezes ...
E confrontam-nos constantemente com a confusão, a imprecisão, a ausência de nexo da nossa argumentação ...
Eles lá têm tempo para isso !!...
O tempo deles é precioso demais para o perderem escutando nada de relevante. Afinal, têm vidas que os solicitam, e onde há tanto para fazer !...
E reclamam da repetição do repetido, da negligência dos nossos cabelos brancos em desalinho, da indiferença ou da distância adormecida que nos embala ... porque as emoções nos falham, as forças se esbatem, o cansaço se instala, a mente se opaciza , na proporção da turvação crescente do nosso olhar... e da nossa cabeça !
Não sei como será percebermos que o tempo passou, muito depressa, que o nosso lugar do sofá, é quase só o que nos deixaram ... e que nos cabe viver, ou melhor, sobreviver sem que façamos grande turbulência, exigências, ou agitações de maré brava e perturbadora ...
Para que o estorvo que já somos, não se torne insuportável, e a nossa presença quase já muda ... inaceitável ...
E verificamos o ar entediado e saturado com que não ouvem já as mesmas queixas, repetidas mil vezes, que falam das dores, da imobilidade, do desequilíbrio, dos sons não ouvidos, ou das imagens não definidas ... Do que se confundiu, do que se esqueceu, do que se baralhou ...
Se tudo isso é verdade, é constante, é permanente ... e dói mesmo ?!
Dói no corpo alquebrado, no coração cansado e na alma entristecida ?!
A minha mãe tem noventa e três anos e meio.
Já por aqui falei muito dela.
Já contei como a sua história é de coragem, dedicação, força, tenacidade e persistência.
Nunca foi mulher de capitular face a adversidades e a tropeços. A sua vida foi sempre mais a dos outros, em detrimento da própria. A do meu pai, a minha, a das netas ... também a dos bisnetos.
Agora garante estar farta de por aqui andar.
As dores são insuportáveis, diz. A autonomia desaparece diariamente, porque a decrepitude a incapacita de reger os seus dias, como sempre fez.
O seu sofá é o mais alto poleiro da ramagem, de onde olha um mundo que já não conhece, já lhe diz pouco, e sobretudo, a cansa... A minha mãe está a querer desistir da caminhada !
Só pede que uma qualquer noite, se lembrem dela, por cá.
Olho-a e penso, num misto de emoções que não descrevo ... como será viver-se tendo como esperança de vida, não ter mais esperança de vida ?!...
Anamar
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