Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...

quarta-feira, 23 de setembro de 2015
" O ENCONTRO " - flagrantes da vida real
" Estou à espera do Mário !...
Voz de timbre marcado e assertivo, num corpo débil, alquebrado, semi-curvado.
Aquele homem idoso, apoiado numa canadiana, óculos fortemente graduados e passinho muito miúdo, entrou no café e disse que ia almoçar. Pediu uma sopa.
O seu andar era de pardalito indeciso. Não andava ... tacteava o chão !
Titubeava em cada passo, perigando cair a cada movimento.
Pouco depois, entrou outro homem bem mais jovem.
Caminhou decidido, não parecendo surpreendido, em direcção ao velho. Pelos vistos, seria previsível encontrá-lo ali.
- " Então, não tinha lá comida ? " - perguntou.
O velho rejubilou frente ao rosto que lhe era familiar. Como uma criança feliz que acaba de ganhar um presente, insistiu efusivo : " Almoça comigo ! Almoça comigo ! "
- " Não ! Vamos para minha casa ! A Teresa está à nossa espera para almoçarmos ! "
- " Não posso ! Estou à espera do Mário. Ele disse que vinha aqui ter !... Eu estava à janela e vi-o passar, com uma criança. Não posso ir ! "
Pacientemente, o homem novo respondeu :
- " Não. Ele não vem. Ele morreu há mais de vinte anos ! Vamos, a Teresa está à nossa espera ! "
E o velho, confuso, desalentado e perdido : " Então e eu não soube de nada ? "
Silêncio. Frio.
O velho com as mãos na cabeça : " Ihhh mãe ... como é que eu não sabia ?!...
A infelicidade no rosto pregueado. O sofrimento nos olhos opacizados. A orfandade e o abandono nas mãos trementes ... O vazio, o medo e a escuridão !...
Mais silêncio. O homem novo procurando no bolso, as moedas para pagar a despesa do velho.
- " Vamos ... agora vamos para minha casa, almoçar ... A Teresa espera-nos ! "
- " Não posso ! Estou à espera do Mário - repetiu, irredutível. Ele disse que vinha aqui ter ! "
- " Ele não vem ! Ele era seu irmão. Eu sou filho dele, e ele morreu há mais de vinte anos, tio ! "
- " Não pode ser ! Ele disse. Ele disse para eu esperar aqui. Ainda há pouco o vi. Eu estava à janela, e ele disse !... "
O passado e o presente. O passado que apaga o presente. Desesperante ... patético !...
A casa, os afectos, a família ... Hoje, o Lar ... As sombras demasiado espessas que cobrem o que já foi !...
E o Mário que já não vem !...
Silêncio ... demasiado silêncio ... Vida ... ou ausência dela !...
Anamar
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