sábado, 19 de setembro de 2015

" SONHO "



Todos deviam ter direito a um palmo de terra de plantio, que  pudessem revolver com as mãos e perceber o milagre ...
Todos deviam ter direito a um quintal, a uma floreira, a um canteiro, a um vaso de flores...

Eu sinto isso todos os dias, desde que deixei de o ter, e me confinei, dadas as circunstâncias da vida, à casa do betão, mergulhada no meio dos "cogumelos" que todos os dias eclodem à minha volta, no cinzentismo das colmeias que proliferam, genericamente iguais, como fardas de meninos de orfanato ... nem sempre bem comportados ...

"Sufoquei" a casa há largos anos atrás, quando entrei na sanha de angariar todo o espaço possível, empurrando as divisões, fechando recantos, à custa de varandas abertas à rua.
Ganhei com isso, centímetros de paredes, áreas de chão, mais móveis, mais candeeiros, mais tapetes ...
E perdi o sonho de verde, o sonho de céu, a esperança de andorinhas nos beirais, que também sumiram ... a magia do vento livre nos cabelos ... e claro, a remota hipótese de trepadeiras rumando ao firmamento, de cheiro de terra molhada em vasos inventados, e de êxtase de cor generosa em miscelânea genuína ...

E tenho saudades infinitas !

Depois, cortaram-me também a palmeira centenária frente às minhas janelas, ex-libris daquele meu chão.  E o plátano dourado, pousio de pássaros nocturnos pelas madrugadas, e de aves arribadoras, no prenúncio das Primaveras, em cada ano ... cumpriu  o mesmo destino.
E foi como se me amputassem por dentro, me empobrecessem a alma, me cerceassem o sonho ...
Foi como se apagassem o sol na minha paisagem.  Como se me extorquissem o coração ... me orfanassem o espírito ...
E entristeci, fiquei mais pobre ainda ... mais sem "amigos" por perto ...

Por isso fujo.
Sempre que posso fujo e vou atrás do apelo da terra.  Busco o chamamento das sombras, procuro o silêncio embalador das matas, a paz dos matizes, o perfume de tudo o que nasce sem ser semeado, o estalido  crepitante  do  areão  calcado  debaixo  dos  pés, em  cada  volta ...

Sempre que posso, aspiro o ar leve e transparente pela ausência de mácula, escuto o gargalhar de um riacho solto por entre as pedras, oiço o sussurro das brisas nas ramagens, as conversas dos pássaros empoleirados nos galhos ... as histórias dos silêncios nas penedias ...

Sempre que posso, perco-me de olhar uma flor já esquecida no pé, extasio-me por entre os dourados e os vermelhos das novas roupagens da natureza, sigo a nuvem que faz e desfaz bonecos no firmamento ... deixo o vento desalinhar-me o cabelo e voar-me o pensamento ...

Sempre que posso, sento-me numa pedra qualquer do caminho, num muro perdido de curva de estrada ... ou simplesmente num tufo de erva fresca ...

... e esgravato a terra, sonhando-me com chão, com rumo, com destino !!!...

Anamar

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