sábado, 28 de fevereiro de 2015

APATIA ... ( desabafo ... )



A gente parte pensando que foge.
Mas a gente não foge, sempre fica no mesmo lugar !

Ando a escrever pouquíssimo.  Aliás, não ando a escrever.  Dito de outra forma, alieno diariamente uma parte de mim, importante.  Demasiado importante.
Sinto-me ressequida.  Tão  vazia que nada tenho de relevante p'ra falar ou p'ra contar.
Estou demasiado parada na vida.  A vê-la passar simplesmente.  E isso é um perfeito desperdício, porque por muito pouco que ela valha, é a única que tenho, é o único bem verdadeiramente meu, de que disponho.
E o absurdo é que tenho consciência disso, e não tomo providências.
Sou como aquele menino que está no pátio do recreio e não brinca, só olha os outros brincando.
Ainda assim, podia sentir-se feliz, mas não sente !...

Hoje está um dia radioso.  Um dia de Inverno a enganar de Primavera.
O sol claro e brilhante, o céu totalmente limpo e azul, parece um empacotado de vitaminas para a alma.
E eu, pareço procurar o lado esconso da vida.
Logo eu, que implico com janelas fechadas, persianas descidas, cortinas corridas.  Logo eu, que implico  com  páginas  viradas,  esquinas  dobradas,  muros  altos  e  sentidos  proibidos ...
Logo eu que refilo, dizendo aos outros que tenho tempo de ficar às escuras ... no coração e na alma ...

Mas estou assim !...

E fui embora.  Fui embora sem fé.
E estranhamente, foi a primeira vez que corri o pano, troquei de cena, e em que  me senti como o actor,  que sozinho no palco, olha com cansaço e decepção a plateia vazia, num espectáculo que não se fez !
Há silêncio lá fora e dentro de mim ... Demasiado silêncio ...

Criminoso !  É um crime o que faço comigo.  É imerecido acordar viva por cada dia que começa.
É injusto existir assim, com tanta razão para existir de outra forma !!!...

Anamar

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

NA ORFANDADE DE UMA HISTÓRIA TERMINADA ...




A gente lê um livro e convive com aquelas histórias e aquelas personagens, tão de perto, que lhes partilhamos os estares, os sonhos, as inquietações, os sobressaltos ... a vida !
Conhecemos por dentro e por fora as suas personalidades, conhecemos os seus gostos e projectos, as suas formas de reagir, conhecemos até os seus tiques.

E enquanto lemos o livro, todos os dias os visitamos, todos os dias os escutamos, com eles nos confrontamos e dividimos tempo.
E é de tal forma o convívio, a cumplicidade e a promiscuidade até, que hoje ficamos leves e bem dispostos, amanhã pesados e apreensivos, consoante o evoluir da narração, como se as alegrias fossem nossas, e as dificuldades também.

E um bom escritor, um bom narrador, um bom autor, é aquele que consegue com as suas letras, transportar o leitor e levá-lo a mergulhar totalmente na sua ficção, por forma a tomar aquela história como sua, e por forma a que através dela, se deixe arrancar da sua, dele, realidade, se deixe alienar da sua, dele, vida !

Essa é, portanto, a componente lúdica de um bom livro : o saborear alternativo do seu enredo, o despiste do sonho e do devaneio na pertença que estabelecemos com aquela narrativa, a capacidade de ela nos expurgar da nossa verdade às vezes tão insatisfatória, criando-nos asas na mente e no coração, e depois a ilusão desenhada, de que ali, ao nosso alcance, está gente, existem sentimentos, pululam emoções.
Afinal, tropeçamos em figuras que se nos tornaram quase familiares. Gente que se tornou quase nossa também !

Depois, um dia o livro acaba.  Chegamos ao fim daquela história.
O autor fecha-nos a porta, com um último imperativo ponto final.
É como se chegássemos, nos instalássemos prontos a desfrutar, a degustar de novo, a mergulhar mais um pouco, é como se chegássemos, prontos a convocar aquela gente que já deambula nas nossas vidas, a assobiar para reunir uma vez mais ... e todos tivessem partido sem deixar aviso, sequer um cartãozinho de despedida, sequer um "ciao" ...

É assim uma espécie de traição, insuspeita e não anunciada.  Uma espécie de injustiça que como todas, sentimos imerecida.
E ficamos "desasados" ... é o termo.  Ficamos "órfãos" e ficamos sozinhos.
E um sentimento de privação, de solidão, quase de fraude, toma-nos conta.
Bolas ... Para onde foi toda aquela família tão nossa ?!  Como ousaram obrigar-nos a fechar a contra-capa, a subir à prateleira para largarmos aquele livro ao rigor do pó e dos anos vindouros, como se atreveram a ignorar este desamparo incómodo de termos de iniciar uma nova história, de termos de começar tudo outra vez ?!

E tal como na vida, ainda levará tempo para que saiamos pela porta dos fundos...
Ainda levará tempo, seguramente,  para que dispamos a roupagem da peça ora terminada, e tenhamos o espírito devoluto, desarmado e receptivo a um outro quotidiano que nos seja credível, que nos faça sentido !...

Anamar

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

MOMENTO QUATRO - 12 Fevereiro


Já piso de novo terra nossa !

A Amazónia e o Pantanal transformaram-se assim, numa espécie de vivência esfumada lá atrás.
Já regressei há alguns dias.  E tudo aquilo, sinto tê-lo sonhado numa qualquer noite destas, aqui, na minha cama.
Foi uma experiência de uma intensidade tal, que parece ter sido apenas nesga de porta entreaberta, por onde se espreita, se vislumbra, se tacteia de fugida, como cena de filme  que não dá tempo para ler legendas !...

Por cá, tudo impressionantemente igual.  Tudo morno, tudo insípido, tudo pesado, tudo carregado das cores de um Inverno que sempre dá um jeito de nos penetrar até à alma.

Por outro lado, repito, teria sido absolutamente incapaz de descrever, sequer por aproximação, aquilo em que mergulhei.
Incapaz de pintar por letras, as cores dos nasceres e dos pores de sol, esmagadores.
Incapaz de reproduzir os sons persistentes e irrepetíveis da passarada no arvoredo, nos campos alagados sem limites.  Os zumbidos  dos insectos em lenga-lenga, de noite e de dia ...
Incapaz de descrever o calor obsessivo que cola a roupa à pele e imprime nela até os pensamentos ...
os silêncios de quietude das alvoradas e dos entardeceres de fogo ...
Incapaz de traduzir a paz que a terra respira, quando noite adiante,  só  a  lua  cheia  branca,  imensa, desnuda  as  sombras,  define  perfis, e  cobre  doce, toda  a  imensidão  desconhecida !...

É assim o Pantanal, uma terra que dita leis, uma terra generosa e dura, mãe e madrasta, onde os cânones da vida são implacáveis, onde um determinismo preside à existência de todos os seres.
A lei natural é imperativa, indiscutível e  soberana !
O Homem é só mais um dos que habitam a mata, caminham nos pântanos, escutam os silêncios e sabem a voz dos bichos ...

Quem lá vive diz que não...
Mas eu acredito que o paraíso, aqui, toca a Terra !!!...



Anamar

MOMENTO TRÊS - 31 Janeiro




As águas sobem, as águas descem ...
A Natureza sucede a si própria  numa renovação destinada, onde o Homem não pode interferir.

Estando aqui, miscigenando-me com esta realidade esmagadora e dona, ouvindo submissa a autoridade  da  floresta, dos  rios,  dos  animais, das  aves, dos  insectos, das  chuvas  e  do calor sufocante ...
só estando aqui, dizia, é que se percebe com clareza, a nossa pequenez enquanto seres humanos, e a violência que é, o abuso, a intromissão, a manipulação e o crime feitos sobre o planeta, quando o Homem altera intencionalmente os seus ciclos.

E só estando aqui se percebe tudo isso, porque aqui se lê com a pureza do coração desarmado, e com os olhos da alma . E esses, não enganam nunca !

O céu escurece num momento.  A trovoada ribomba ao longe.  O eco do trovão cala toda a selva.
As cordas de água, desenhadas no horizonte, anunciam a tempestade que se avizinha.
Por momentos os pássaros silenciam, os sons suspendem-se, uma serenidade estranha instala-se.
As cores acentuam-se, os contornos  definem-se.  Os verdes são mais verdes, a mata mais sombria, o céu ( onde os raios desenham feericamente geometrias obscuras ), é de chumbo.

E de repente, a chuva impiedosa chicoteia a terra. Um dilúvio forte, intenso, açoita as ramagens despenteadas pelo vento, uma cachoeira lá de cima, chega e parte ... em minutos ...

E em minutos a Amazónia refresca, remoça, respira até ao âmago ... Ela que é o pulmão da Humanidade !!!...





Anamar

MOMENTO DOIS - 30 Janeiro





Estou há quatro dias na Amazónia, e ao contrário do que havia suposto e para isso vinha predisposta, não escrevi uma linha.
E não escrevi, porque estou "entupida" de emoções.  Estou numa espécie de catalepsia ou deslumbramento, face a tudo o que me envolve.

A Amazónia não se descreve.  Vive-se !
Sente-se apenas.  Aliás não há palavras no vocabulário, que pudessem dizer por aproximação sequer, o que é esta Natureza genuína, que tenho a certeza, não existirá em parte alguma mais, do planeta que habitamos.
Os sons da selva, de noite ou de dia, são irreproduzíveis por letras ou ideias.  A cor, a brisa ou o calor sufocante, a humidade que cola tudo a nós ... mas sobretudo o verde da mata e o azul-cinza-pardo das águas mansas em espelho parado, serão o seu rosto mágico, misterioso, indizível !

Neste pedacinho de areia nas margens do Tarumã, neste oásis que estará coberto de água em alguns meses, escutando apenas os trinados incessantes, os gritos, os silvos, o pipilar das aves em desafio concertado,  o zumbido dos insectos em desgarrada, sentindo na pele a aragem cálida que de quando em vez resmalha na folhagem ... o  suor entorpecente  amenizado além,  pela sombra silenciosa e esfíngica, de árvores centenárias da floresta primitiva ...
escutando estes sons, todos diferentes, mas integrando  uma orquestra gutural perfeita ... numa afinação divina ...
extasiando-me com o privilégio  magnânimo  que experimento,  por não morrer sem aqui ter estado ...

... sinto-me em paz !

Porque PAZ, é seguramente a única palavra assertiva na definição da Amazónia !!!...



Anamar

BREVES MOMENTOS - BRASIL 2015


MOMENTO  UM




E o céu lá em baixo é de "carneirinhos".
Se aparecessem por ali em rebanho, não me espantaria.
Mais à frente é uma planície ártica, onde um urso polar se  enquadraria na perfeição ...
Depois uma paisagem lunar inóspita, agressiva mesmo ... ou ainda mar revolto e agigantado, no emaranhado súbito e alteroso dos castelos brancos ...
A imaginação e o devaneio não pagam impostos !...

E tudo isto é o céu, visto por cima das nuvens, 14,15 h da tarde de um dia quente e ensolarado, luminoso e diáfano, mesmo sendo Janeiro ... rumo a Manaus.
Aqui, meio do Oceano Atlântico ...

Para trás, Portugal, a vidinha de sempre. Julguei que não desligaria, mas já o faço, num boicote desenfreado a tudo o que por lá ficou.
Preside-me aquele pensamento, de não adiantar angustiar-me.  Para quê ?
A vida sempre prossegue sem nós  ( mania de nos acharmos insubstituíveis !... )

E o coração que me saíu de Lisboa, pesado, contrito, apreensivo ... um coração quase culpado, sem o dever ser, começou a soltar-se, a respirar fundo, a reabilitar-se no direito à paz que tão longe de mim tem andado ... enquanto  os olhos se estendem, repousando para lá deste horizonte sem horizonte, emoldurado apenas pela escotilha do avião !


Anamar