quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

" DAQUI A POUCO ... "






O Carnaval foi-se.  Daqui a pouco é Quaresma, depois Páscoa, depois é o tempo das cerejas, as mimosas irão florir pelas matas ... Mais um saltinho, e é Verão.  Os dias hão-de azular, o sol amarelecer de ouro tudo em que bater, havemos de suspirar por sombras, por frescura de serra, por água fresca de mar preguiçoso ...
Depois a canícula cederá,  a fruta amadurece e os vermelhos e ocres se instalarão.  As primeiras folhas começarão a tombar, a Natureza a encasular-se pronta a dormir, o recolhimento e o silêncio descem da Terra aos corações ...
As aves começam a partir, o cinza e as névoas envolverão os amanheceres, e as luas irão esconder-se atrás dos castelos de nuvens.  As estrelas dormirão em céus escuros, como manta a cobrir os desvalidos ...
Daqui a pouco a neve branqueia os píncaros, os lobos uivam na montanha ... daqui a pouco os azevinhos cobrem-se de bagas vermelhas, e o calendário dirá que é de novo Natal ...
Daqui a pouco, o ano vira.  Dá mais uma cambalhota na eternidade ... e dá lugar a outro ...
E tudo é já daqui a pouco ...
Hoje, é só mais uma gota das existências, a ser vivida ...

Hoje, o dia "enxofrou".  Tem um ar sonolento, displicente e preguiçoso.
Convida à reflexão, sobretudo se estamos sós, com boa música, e muita, muita paz ...
Inevitavelmente lembro o que tenho, do que disponho, o que quero ainda, nesta ampulheta incessante, incansável e obstinada.
E hoje, eu só quero uma coisa: como diz Fernanda Montenegro, hoje eu só quero que a minha memória nunca me atraiçoe, que nunca me retire o caminho de acesso ao baú onde o espólio da minha vida aguarda -  empoeirado já - que eu o revisite, vezes sem conta, com o enamoramento e a gratidão de quem se sente abençoada com a estrada percorrida.
Porque ainda assim, eu sei que da próxima vez, eu faria diferente ...

Da próxima vez, aprenderia a dar às coisas, a importância real que elas têm, sem o drama de sempre as ver a preto e branco ...
Da próxima vez, carregaria no rosto a alegria do riso, ou mesmo só do sorriso. E guardaria as lágrimas só para os dias de tempestade ...
Reuniria todos quantos me fossem importantes, à roda de uma mesa, no aconchego duma lareira ... quando calhasse ... sem me preocupar que amanhã fosse segunda-feira ... ou que a loiça guardada para ocasiões especiais, se poderia partir ... Simplesmente porque essa, seria a ocasião especial ...
Da próxima vez aceitaria chorar, se fosse o caso, de alma despida, no colo dos que amo e me amam ... na certeza do privilégio do amor e da amizade ... 
Faria mais disparates,  e erraria mais, porque errando saberia que se aprende ...
Carregaria sempre comigo um saco inalienável  de sonhos, sem medo dos excessos ou da transgressão do peso...
Seria mais atrevida e ousada, porque esfolar os joelhos pode fazer saudavelmente bem à alma ...
Deitaria na erva, rebolaria nas dunas, saltaria as ondas ... porque tudo isso seria VIVER !...
Andaria descalça, de cabelo ao vento ... dançaria na chuva ... e gargalharia de felicidade ...
Se pudesse fazer tudo outra vez, sorveria o instante, cada instante, embriagar-me-ia nos momentos, solta ... livre ... leve ...
Porque a vida é apenas isso ... instantes indeléveis, momentos abençoados ...
Se pudesse fazer tudo de novo, não cansaria de dizer "obrigada".  Não cansaria de repetir "eu te amo".  Não cansaria de pedir "desculpa" ...
Estenderia as mãos mais vezes,  ofereceria o ombro outras tantas, partilharia  sempre  um colo  grande, generoso e cego ...

... e apanharia muitos, muitos ramos de narcisos !...

Anamar

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