terça-feira, 30 de outubro de 2018

" EM MODO SOPA DE LETRAS ... "




Não escrevo há meio mês.
Estou naquela onda de penumbra de alma, de torpor de vontade, de cansaço sem tom nem jeito.  Uma onda que me inunda e leva adiante toda a alegria de vida, que me deixa letárgica, melancólica, doce e silenciosamente sonhadora, como os gatos ao sol, nas soleiras.
E sol é o que não há.  Mudaram-me a hora e escureceram-me os meus ocasos lá longe, neste horizonte que agora some bem cedo. Arrefeceram-me repentinamente os dias e as noites também, remetendo-me ao "ninho" donde custo a sair, cada vez mais.  Estou a começar a ficar embiocada como as velhas se embiocam nos lenços negros, aos postigos, no meu Alentejo.

Encomprido o pensamento, remexo nas memórias, esquadrinho as vontades.  E concluo que precisava de entrar dentro de um "shaker" qualquer, para que, em ritmo de lambada, os miolos se agitassem, se agilizassem e saíssem deste torpor atontado em que mergulho.  Ou seja ... ficassem prestáveis.
Estou totalmente "outonada", entrando que estamos no famigerado mês de Novembro, mês carrasco e desanimador para mim.  No calendário está quase a cumprir-se mais uma data da minha chegada a este mundo, este ano mais pobre e mais triste ... sem a minha mãe comigo.
Neste momento o meu estado de amorfismo não enfileira ideias, não organiza sequer frases ou assuntos de que quisesse falar.
A mente divaga cá e lá, o pensamento voeja inquieto, como borboleta de flor em flor no auge da Primavera.
Há um atropelo de sensações, um engarrafamento de emoções e uma confusão de barata tonta em hora de ponta.
Sufoco-me com o que me atravessa, e se o quisesse ordenar, seriar, ou se calhar entender ... daria uma sopa de letras ininteligível ... até para mim mesma, creio.
Tantas perguntas que se fazem, com tantas respostas que não se dão.  Tantas dúvidas a serem clareadas, com uma manhã de nevoeiro teimosamente cerrado, em frente.

E o cansaço ... um cansaço desanimador remete-me a esta indiferença aparente, face à escorrência dos dias, face ao decurso das semanas, face ao desenrolar da vida ... que acontece, aqui mesmo, bem debaixo do meu nariz !
E experimento uma angústia existencial, p'ra variar,  que quereria verdadeiramente entender.
Experimento um desassossego, que umas vezes é angústia, outras ansiedade, outras insatisfação ... desconforto. Mas que me nauseia e mareia, como barquinho solto no mar alto, em meio de onda agitada e vento sem norte.

E os dias passam e balanço, balanço sem rumo, para cá, para lá ... como um passageiro numa gare, sem ainda ter definido o itinerário a fazer, a composição a tomar.  Desconfortavelmente indiferente, contudo.
Como se lhe fosse aleatório um destino, para norte ou para sul, pela simples razão de que em nenhuma das estações terminais existe quem o espere, ou um objectivo interessante a cumprir ...

Bom, este meu escrito de hoje, é de uma irrelevância atroz.
É imagem clara do meu estado de espírito, e uma tentativa de aliviar a pressão da válvula.
Argumento para mim mesma ter um passado recente, emocionalmente agressivo e excessivamente longo e desgastante, do qual talvez não tenha conseguido recuperar-me ainda.
A sua vivência pôs-me frente aos olhos, um sentido da existência, nu e cru, assustador.  Porém real, objectivo. Desencantatório. Precário.
Quando os pais nos partem, avançamos inevitavelmente um passo.  Sentimo-nos na "calha", ocupando o lugar que logicamente nos é destinável.  E talvez por isso, se questione com muito maior acuidade, o sentido de tudo,  o que foi e o que é.  Talvez por isso, se valore com maior realismo e desassombração, o sentido que demos / damos, ao percurso que palmilhamos dia após dia,  às lutas que travamos, ao peso do valer ou não a pena ... ao significado, afinal irrisório, de tanta coisa com que nos digladiámos ... com que nos exaurimos ...

E "invernamos" por dentro ... sei-o bem !

Anamar

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