segunda-feira, 29 de julho de 2019

" QUANDO DESCONHECEMOS OS FILHOS ... "




Acabei de estar a almoçar, com uma das minhas filhas.
Acabei de estar com esta, como poderia ser com a outra.  Juraria não ser diferente, esta sensação amarga e doída que experimento neste momento.  Um misto de mágoa, de tristeza, de desconforto, de frustração ... de raiva, mesmo !

A gente põe os filhos no mundo e chega à conclusão que deu vida a crias que nada têm a ver connosco.
E uma sensação de impotência, de revolta, de incredulidade, de estupefação também, tomam-nos conta.   De repente percebemos que temos à nossa frente seres com outras linguagens, com outras verdades, que vivem noutras realidades, que valorizam outras coisas.
De repente, percebemos que andámos a perder tempo nas nossas vidas lá atrás.  Que tantas vezes hipotecámos, por conta, as nossas vidas lá atrás ...
Como se tudo aquilo que quisemos ensinar e transmitir, tivesse caído em saco roto.  Como se tudo, valesse nada !!!...

Dou por mim a achar que passaram por nós, eras temporais de afastamento.  Dou por mim a perceber que anos-luz de distância se instalaram entre mim e elas.
E o que tenho à minha frente, são duas estranhas, que não sei, não conheço, não entendo.  Duas pessoas que não me conhecem, não me entendem, não me sentem.

O mesmo sangue nas veias ?!  O que é isso ? - pergunto-me.

Tenho vivido equivocada.  Julguei que talvez tivesse feito o meu melhor, à luz dos parâmetros que me formavam, em termos dos valores recebidos, da educação adquirida, sentimentos enquadrados.
Julguei.  Mas, certamente, não foi nada disso !

Interrogo-me e culpabilizo-me.  Errei onde ?  Falhei quando ? Será que me distraí ?  Será que me omiti ?  Será que me fechei sobre mim mesma, e achei que tratando das fraldas, dos sarampos, das amigdalites, das dores de barriga, dos deveres escolares, da transmissão de ensinamentos e princípios norteadores que tomei como fundamentais e determinantes, bastaria ?!
Será que fui egoísta ao ponto de desvalorizar talvez, o fundamental ?
De defraudar mesmo, as suas expectativas ... e não me apercebi ?!
Será que dialoguei pouco, que sentei pouco no colo ?  Que acalmei pouco os pesadelos e não escutei os sonhos ?
Será que acariciei de menos, que fechei ouvidos ao que se calhar, pretendiam dizer-me ?
Será que fui dura em excesso, exigente demais ...
Será que dei pouco amor ... ?
Será que deixei que a vida, sempre a vida, com todos os seus tropeços me tirasse do foco, me endurecesse, me enconchasse sobre mim mesma e me tirasse espaço afectivo no coração, para elas ?!

Oiço muito disto, à minha volta.
Sei que há muitos pais e mães que sofrem hoje, por todas as mazelas deixadas ao longo das vidas.  Por culpas que se atribuem, por feridas abertas e não saradas, que parecem mesmo infeccionar-se mais, com o correr do tempo.
Mas também conheço casos de sucesso absoluto, em que filhos e netos, totalmente entrosados, vivem no sétimo céu.
As pessoas respeitam-se, conversam pacificamente, não desconversam ... entendem-se, não se agridem, divergem mas nem por isso se desvalorizam, entreajudam-se ... fazem-se presentes sempre ... em todas as circunstâncias ... partilham momentos bons e momentos menos bons no dia a dia.
As pessoas, amparam-se ... Fundamentalmente, as pessoas AMAM-SE !

E pergunto-me, onde terão aqueles pais e aquelas mães, hoje já avôs e avós, aprendido a fórmula secreta para um tão grande acerto ?!
Será que nas realidades familiares, as culpas ou os sucessos, só serão de um lado ?
Será que estamos perante pais e mães de eleição e filhos extraordinários, versus pais e mães energúmenos, impreparados, incompetentes, que nunca o deveriam ter sido ( como já ouvi ), e filhos incarnando potenciais " monstrinhos" ?!...

Não posso ir por aí.  Não posso aceitar carregar em exclusividade toda a culpa do mundo, se falhei, se errei, e se os sentimentos entre as pessoas estão feridos de morte.
Se em vez de filhos, tenho à frente seres cuja presença, em vez de me ser gratificante, amorosa e portadora de felicidade, me faz mal, me deixa mais e mais destruída, e cujo distanciamento me surge como a única solução possível para um convívio minimamente aceitável e penoso ...
Angústia.  Uma profunda angústia é o que me fica.  Tristeza, é o que sinto no coração.   E culpa.   Mais culpa ainda, por estar a conseguir verbalizar tudo isto que aqui deixo, nestas palavras.

"Tu é que és a mãe.  Tu é que tens que dar o primeiro passo "- oiço, de quando em vez.
Mas qual passo, se esbarro no desconhecido, no incompreensível ... se encalho numa parede, se encontro um fosso e não uma ponte ?!...

Que mãe, afinal, serei ?
Qual a imagem materna que lhes represento ?
Quanto de sofrimento nos impomos, com toda esta incompatibilidade de linguagens ?
Seres de costas viradas ...  Seres que optam por separarem as vidas, por defesa, por sobrevivência, por inexistência de opção ...
" Carne da mesma carne e sangue do mesmo sangue " , diz-se ...

E no entanto, pais e filhos ... E no entanto, vidas tão curtas, sem direito a reescrita ou escapatórias ...
E no entanto, tanto que fica por dizer-se, tantas palavras que secam na garganta antes de se soltarem, tantos olhares que não se trocam e se evitam, tanta ternura que se perde antes de nascer ... tanto amor que estiola como planta à míngua de água ... tanto, tanto que lembramos,  arrependidamente  e  sem remédio,  tarde  de  mais ... quando  tudo  já  terminou !!!...

Anamar

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