terça-feira, 7 de janeiro de 2020

" E A PRIMAVERA AINDA DEMORA A CHEGAR ... "




O ano começou há exactamente uma semana .  É um recém-nascido peremptório, teimoso e cheio de artimanhas.
Veio carregadinho de vontades imperativas, sem dar cavaco a ninguém.
Prometo que não vou falar daquelas frases "kitsch", tipo  "uma nova página a ser escrita",  " vêm aí 366 novas oportunidades ", "o tempo passa sozinho, mas és tu que viras a página" ... " meta para 2020 : ser feliz! " ... e bla bla bla ... tipo receitas do Pantagruel ...
Irrita-me o vazio de frases feitas e irrita-me a bonomia de mão passada pela cabeça ... deixa lá, vai ser melhor, não desistas dos sonhos, depois da tempestade vem a bonança ... basta acreditar ... e etc, etc, etc ...  Tudo lindinho, tudo fofo, tudo iluminado ... com os corações pseudo plenos de paz na Terra, amor e boa vontade !
Como se tudo fosse exactamente assim ... como se a vida, o tempo, a nossa existência fossem exactamente bombons  embrulhados  em pratas coloridas ...

Acho que estou gradualmente a perder a capacidade do sonho.  A capacidade do acreditar.  A capacidade da esperança.  E tudo isto é grave ... é mesmo muito grave !
A estrela do presépio não assomou por aqui.  Não  me ensinou caminhos,  e  o  meu "deserto" está mergulhado na profunda escuridão de todos os desertos, onde só o firmamento vive ponteado de fogachos longínquos, alguns  inexistentes, apagados e mortos ... à semelhança de muito, do tanto que inventamos.
A sua luz ficou lá atrás dos tempos e das eras ...

Entra ano, sai ano, correm horas, dias e meses, no desfiar implacável de amanheceres seguidos de ocasos.  Ilusoriamente acredita-se que tudo será privilegiadamente diferente, só porque  o  calendário ( essa invenção de mau gosto ), deixou pingar a sua última página ...

Um Inverno, agora generosamente solarengo, pintalgado de azuis e laranjas, enfeita-nos os dias, promete-nos alvoreceres auspiciosos.
Não faço intencionalmente previsões.  Não desenho metas ou pinto cenários, obviamente.
Vou só vivendo ... tão simplesmente.  Vazia ... ou melhor, esvaziada de ilusões.  Acho que essas, feneceram, tombaram quais folhas caducas, das árvores de finais felizes, que se despem impiedosamente, rumo ao sono retemperador e intimista da estação que vivemos.

E a Primavera que ainda demora a chegar ...

Anamar

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