sábado, 18 de janeiro de 2020

" OS PEQUENOS PRAZERES ... "



Levantei-me tarde, aliás como é hábito.  Herdei do meu pai os genes da apreciação de uma boa manhã na cama, não importando a hora do recolhimento.  Essa, pode ser qualquer uma, ao sabor das circunstâncias e dos momentos.
Já varei muita madrugada entretida cá nas minhas coisas,  já me amanheceu o dia sentada ao computador frente à janela de sempre, já escrevi muito de meu nas horas silenciosas e cúmplices, perdidas noite adiante.
Mas aquela oportunidade de tempo sem tempo, no entremeio da fofura dos lençóis, no ninho aconchegante e quente do édredon ... essa, é uma benesse sem tamanho, é um privilégio que me compensa da obrigatoriedade de encarar mais um dia, com ou sem vontade, no desencasular face à luta diária que sempre nos espera !
Sou tipicamente uma mulher da "noite".  Funciono do lusco-fusco, adiante.  As manhãs ... sobretudo as horas da alvorada deprimem-me, violentam-me, incapacitam-me os neurónios, tornam-me totalmente disfuncional ...
Sobretudo nesta época do ano em que se pressente borrasca lá fora, em que se ouve o vento agreste a soprar, em que se adivinham  nuvens cavalgantes e encasteladas cobrindo a abóbada por cima das nossas cabeças ... em que a chuva copiosa tamborila ou açoita a vidraça ...
Foi o caso desta noite, em que por cada momento consciente entre o sono e os sonhos que me acompanharam,  saboreei  a  doçura  do  estar  bem ... de  tudo  estar  mais  ou  menos  perfeito !...

Depois, cumpri a caminhada que me imponho  três vezes por semana, na procura de mais qualidade de vida, com a satisfação do dever cumprido.  Sim, porque não sendo eu uma pessoa que me reconheça disciplinada, sobretudo nesta área, conseguir manter um projecto, uma determinação e uma realização, sabe-me efectivamente a uma verdadeira e prazeirosa conquista.
Hoje, em itinerário alternativo à mata enlameada e intransitável pelas chuvas caídas, inaugurei satisfatoriamente o percurso que apelidei de "inverno" ...

O sol acabou espreitando pelo meio de algumas nuvens esparsas que viriam a adensar-se e a fazerem cara feia, agora ao fim do dia.
Almocei de prato na mão, sentada sobre a máquina de lavar roupa, junto à janela, saboreando a generosidade de uma luminosidade dourada, doce e envolvente, dos raios que me inundavam.
À minha frente, o casario desgovernado, que me permite olhar horizontes longínquos,  mais adivinhados do que alcançáveis, transportava-me ao sabor do sonho, na liberdade das gaivotas que por aqui preguiçosamente planavam.
Há quanto tempo eu não me oferecia este descompromisso de formalismos !... Há quanto tempo eu não me permitia esta coisa de poder ser como eu quisesse, sem demais preocupações, presenças ou obrigatoriedades !...
Bebido o cafezinho de fim de refeição, sem urgências ou afobações, esperava-me uma tarde ociosa sem programas determinados.  E poder fazer isto, aquilo  ou aqueloutro conforme me desse na telha, tinha um sabor abençoado.

Vim para o computador  mexer e remexer em pastas, documentos, fotografias arquivadas, testemunhos de eventos, momentos que o foram, registos que marcam inesquecíveis acontecimentos, indelevelmente guardados por esta ou aquela razão, mas que se pretende que perpetuem aquela fatia das nossas vidas.
São memórias inapagáveis, são formas de nos trazerem o passado ao presente, de uma forma tão vívida que parece que o vivemos outra vez.
Revi o vídeo do lançamento do meu livro "Silêncios" que fará em Maio, três anos decorridos.  Rever as pessoas, sentir toda aquela festa, toda aquela emoção, todo aquele "conto de fadas" de um dos dias mais felizes da minha vida, deixar-me de novo envolver naquele regaço de carinho e afecto, trouxe-me outra vez as lágrimas aos olhos.
Olhar as pessoas, ver os seus rostos na alegria com que me homenagearam, escutar as palavras proferidas na Biblioteca Piteira Santos ... "beber" Énya no seu "Only Time" que nunca se apagará do meu coração ... foram presentes bem acima do que eu alguma vez sonhara, do que eu alguma vez mereceria ...

E pronto ... anoiteceu entretanto.
O meu sábado foi um conforto de alma pejado de pequenos prazeres, soltos e leves, uma  verdadeira dádiva  que  me  concedi,  com  o  sabor  da  liberdade,  da  irreverência  e  da  plenitude  de simplesmente  ser  e  saber-me  mulher,  na  posse  das  minhas  vontades, opções  e  escolhas !...

Afinal, a vida também é feita destes pequenos e saborosos retalhos ... acredito !!!...

Anamar

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