sexta-feira, 21 de agosto de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - não faço ideia ...

 


Subi agora da rua.
Levei tempo a decidir se sim se não, num dia que, mesmo que quisesse, não o conseguiria já contabilizar neste labirinto interminável de horas, de caminhos, de sensações, de emoções, de indecisões, pensamentos positivos e outros atrozmente destruidores, num faz de conta de vida real que o não é ...

Amanheci com uma angústia mais cerrada e pesada que o nevoeiro com que o dia de ontem nos brindou.  Uma angústia sem brecha ou horizonte, de que não se entende, se justifica ou descortina o porquê de vir, hoje mais que ontem, talvez menos que amanhã, atazanar-me a alma ...
Não a compreendo, ou se calhar compreendo bem de mais ...  
Sei apenas da sua esfinge tão assustadora, sei apenas do seu peso tão avassalador, sei apenas da dor corrosiva com que me ataca o coração, a mente e as forças e de como avança desrespeitosa, feito um tractor atropelando, trucidando, destruindo ...

Aliviei um pouco quando as lágrimas descomandadas desceram.
Aliviei como uma panela de pressão em fervura-limite alivia, se a válvula lhe dá fuga ao vapor acumulado internamente.
E comecei a fazer coisas por aqui.  A  justificar talvez o facto de estar viva, simplesmente.  Intentando inventar, neste cansaço sem tamanho, neste desinteresse sem mitigação, nesta apatia doentia e cansada.
O ar parecia ser pouco para respirar, aqui em casa.  
As janelas apenas me mostram casas empoleiradas e constrangidas, umas sobre as outras.  Nas ruas, o movimento é o de sempre, nem menos nem mais ... as compras, as filas para os locais habituais, a corrida para os comboios aqui por trás, o despejo de autocarros onde gente e gente se apinha e acotovela, com máscaras que rapidamente retiram, ainda nas plataformas ... o deambular de grupos de jovens em desocupação escolar, a esplanada no meio de uma praceta incaracterística e desconvidativa ...

E a inércia, a indiferença e uma incapacidade reactiva sem tamanho, conferiam-me uma ausência de força anímica, paralisante.  "Vou à rua, não vou à rua ?  Vou à rua onde ?  Fazer o quê ?  Sentar-me  numa esplanada sozinha frente a um café ... e cumprido o ritual voltar para casa ?  Fazer de conta que me sinto bem e que era isso que eu buscava ?...  Mas continuar neste "gheto" não é suportável ... "

E desci. Vesti a primeira roupa que vai jazendo sobre a cama dia após dia, deitei mão a qualquer coisa para calçar, colocar adereços não vale a pena ... retocar o rosto ainda menos, pois afinal, metade dele se esconde atrás da máscara ... e inventei de ir fazer uma compra ... para nada ... só porque sim ...
E regressei.  
Não é a Covid que me adoece.  Não é o medo que me paralisa.  Não é o risco que me desmobiliza.
É o sentir-me perdida no encontro de um mundo que não é mais o meu.  É o perceber que, como numa hecatombe, as referências que tínhamos, não existem mais, os lugares como eram também não ... as pessoas deixaram de os frequentar ... as nossas rotinas foram totalmente descontinuadas,  o desábito tomou totalmente conta das nossas vidas !  
Cada um está nas suas casas, vendo o mundo desde as janelas, com vidas totalmente individualizadas, em que ninguém sabe de ninguém, em que apenas a comunicação virtual finge aproximar e unir as pessoas ... em que o silêncio impera e a solidão dita as regras !
Um mundo triste, cinzento, apático e total e indiferentemente absurdo !!!

O tempo passa.  Dentro de um mês é Outono outra vez.  As notícias que trago não melhoram, a realidade não se altera favoravelmente ... continuamos suspensos de uma esperança a consumir-se, de uma força a delapidar-se e de um ânimo em regressão !!!
Até quando ???!!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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