terça-feira, 8 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - hoje ...




Acabei de chegar de Amsterdão.
Vincent Van Gogh recepcionou-me no seu museu, abrindo-me a luz clara e límpida dos seus girassóis  amarelos, adormecidos em jarras translúcidas ...
Transportou-me entre meio às suas amendoeiras em flor, aos seus lírios azuis e às suas  papoulas vermelhas,  rumo  aos  pôres  de  sol  que  haviam  de  anteceder  as  noites  estreladas ...

E essa viagem no imaginário virtual que nos leva aos cinco cantos do mundo, que nos passeia nos lugares que inventarmos ... que nos transporta em directo à magia de um concerto, que nos leva ao cimo da Torre Eiffel a espreitar Paris, que percorre connosco a Grande muralha da China ou os doces canais de Veneza ... tudo à distância de um clique ... lembra-me de novo ( se o houvesse esquecido ), a vida excepcional que detemos, neste Agosto em vias de encerrar portas em direcção ao nono mês do ano, numa absurdidade sem tamanho ou explicação !

Essas viagens saborosas mas doídas, lembram-me as outras ... aquelas que só sonho e que não me saem dos olhos e do coração, por mais esforço que faça.  Lembram-me os sóis que invento sobre outros tantos mares igualmente inventados.  Lembram-me os cheiros, as cores e os sons  que me povoam  distantes,  a  mente e a alma.  Lembram-me o que foi, o que já foi e que talvez não volte a ser ...
Lembram-me, e despertam-me uma sensação estranha e intranquila, de fim e de despedida.
Instalam-me um desconforto aqui bem no meio do peito, que não consigo descrever. Mas que sinto ... claramente.  E que é palpável !
Um aperto de coisa suspensa e interminada ... coisa interrompida,
 sem suspeição.  Atropelo imprevisto, explosão não controlada ... de que se foge, de qualquer forma e modo. Desgosto !

E para trás fica o tudo que foi e que quando se busca, já lá não está.
Os lugares já lá não estão, os sentimentos já lá não estão, as pessoas também não ... nós já lá não estamos !  Fundamentalmente, NÓS já lá não estamos ... NÓS nunca mais lá estaremos, pela razão simples de que aquele que éramos se perdeu na curva do tempo !
Não conheço nenhuma outra faixa temporal que tenha tido uma capacidade tão grande de mudança e transformação nas nossas mentes, nos nossos corações, nas nossas vidas ... na nossa história !
Uma  eficácia  tão  grande  e  rápida  em  reescrever  e  redesenhar  os  destinos  da  Humanidade !
Na nossa terra, no nosso país e no mundo que habitamos.
Todas estas horas, dias e meses a descontar num ano injusta e ingloriamente consumido, são horas, dias e meses duma agressividade, desgaste e destruição sem tamanho, são  tempo delapidado, irrecuperável, demolidor ... tempo não vivido !

Foi um tempo modelador de novas personalidades, já que da noite para o dia, a adaptação severa que nos foi imposta a um figurino que desconhecíamos e que urgia cumprirmos, nos colocou face a uma realidade desconfortável, face a uma vivência ansiosa e assustada de passos titubeantes num arame sem rede, num caminho escuro sem luz e sem fim que se aviste !
Forjaram-nos um coração novo, mais duro e triste sem afectos e carinhos,  uma alma nova escurecida pela distância e pela solidão, testaram-nos a capacidade resiliente, a capacidade de sobrevivência  face à dúvida, à angústia e ao medo, tornaram-nos seres estranhos, desajustados e mais desumanizados ...

Chegámos ao hoje.
O cansaço invade-me, azeda-me o espírito, indiferentiza-me e vai-me anestesiando ... não adaptando !
Hoje parece só que estou à espera.  À espera de nem sei o que esperar ... mas espera.
Hoje amarguro-me e sufoco-me com esta ausência de horizontes, com esta distância que virou infinita, com  esta  desesperança  que  retirou  o  verde  à  minha  estrada  e  azul  ao  meu  céu ...
Hoje,  sonho  com  os  sonhos  que  sonhei  e  com  todos  aqueles  que  não  tive  tempo  de  sonhar ...
Hoje tenho saudades mil do tanto que foi ficando pelo caminho !...

Anamar

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