sexta-feira, 11 de setembro de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - segunda vaga





Conheço três figueiras na mata ... de figos "pingo mel", que são "aquela coisa" que todos sabemos ...
Ao longo do ano passo por elas dia sim dia não, nos dias da caminhada.
Assim, insuspeita, vou-as namorando da Primavera ao Outono, acompanhando os seus ciclos biológicos, observando o despontar dos primeiros figos, o seu crescimento, a sua promessa generosa de produção abundante, ganhando a expectativa de algum dia ser dia de "colheita" ... 😁😁
Só que, os figos da mata, por direito, deverão ser pertença dos pássaros da mata !
E é exactamente isso que acontece.  Os "malvados" sempre me tomam a dianteira, e os figos, coitados, nem tempo têm de chegar à idade adulta !
Menos mal, que dessa forma, a consciência sempre me fica mais leve !...

Hoje lá passei de novo, e de novo verifiquei a "rapinagem" que por ali vai ... Com silvas à volta, e figos visíveis já só nas ramagens fora de mão, "corta-se um dobrado" para os alcançar ...

E porque as ideias nos ultrapassam e os pensamentos voam mais longe e mais soltos que a passarada das ramagens, lembrei a já só saudosa e úbere figueira pingo mel daquela casa que me ficou longe, na Beira das minhas memórias, onde os frutos eram tantos e tão bons, que não havia refeição que os não integrasse na sobremesa ...
E lembrei o ritual da chegada, em fim de férias de Verão, quando, antes mesmo de criada a logística da família para a estadia de alguns dias antecedentes à época escolar que se anunciava, entrando no jardim, sorríamos agradados e lançávamo-nos todos, adultos e crianças, saudosos e sequiosos, sobre os figos maduros, verde esmeralda, que se ofereciam dos ramos engalanados...
E era comê-los "à fartazana" !
A avó, sem qualquer sucesso, bem avisava : "meninas, os figos quentes vão dar uma dor de barriga !..."

Uma vez, a gulodice era tal que nem percebemos que o Óscar, o gato da família que por direito também ia de férias, se escapulira da transportadora e, também ele se interessara vivamente pela figueira.
Não que quisesse os figos ( gato que se preza não come fruta, que eu saiba ), mas porque a figueira com todo aquele manancial generoso, era poleiro de infinita passarada e local de dormitório dos ladrõezitos de meia tigela, que dessa forma, tinham o pequeno almoço sempre servido à cabeceira da cama !...
Foi um "Deus nos acuda" no resgate do Óscar, que amarinhara aos galhos mais improváveis da árvore, e jurava que de lá não sairia.
Desde os apelos mais ou menos pacíficos (com toda a família de nariz no ar ao redor da figueira ) ... ao aliciamento da "fera" com comida no prato, de tudo se fez, e em limite, lá tive que trepar eu própria, a uma escada buscada em improviso.
E periclitantemente, e em vias de despencar a qualquer momento, enfrentei o esgar de assanhamento da criatura e arranquei finalmente os oito quilos de gato a um dos ramos mais inacessíveis !...

Lembro como se fosse hoje !...  😍😍😍

As saudades apertam mais ainda, nestes tempos de aflição que nos atormentam, e por isso, o pensamento parece buscar refúgio no que foi, nas histórias que vivemos, nas memórias que guardamos carinhosamente ...  E tudo parece, contudo, tão longe, e ao mesmo tempo tão perto dos nossos corações !

Hoje, neste pesadelo que nos atormenta, as notícias que nos vão chegando ainda nos confundem mais as mentes, toldadas outra vez por um medo latente a instalar-se.
Os números da pandemia, alastram por essa Europa fora num descomando sem tréguas.
A tal segunda vaga ameaçadoramente prevista desde o início ... a tal segunda onda, que feita um tsunami mortal, varreria sem piedade e mais destrutivamente  ainda, de uma forma cirúrgica, país a país, nos trilhos já martirizados e por ela percorridos, parece estar aí !!!

O Outono a chegar à nossa terra, o desbloqueio inevitável e urgente do imobilismo e confinamento a que fomos votados no início do flagelo, o retomar da tentativa de alguma normalidade, com o recomeço escolar e com a reactivação de serviços e actividades, muitas delas passando outra vez de tele trabalho a prestação presencial ... uma necessária e expectável maior utilização dos transportes públicos em inerência, entre outros aspectos, tornam preocupante, a evolução do contágio em todo o país.
Os números actuais já deixam apreensivos todos os cidadãos, e colocam o Governo e as autoridades de saúde, num espartilho sem tamanho, entre a responsabilidade sanitária sobre toda a população e a gravidade da situação de um país cuja economia em ruptura não pode de nenhuma forma, voltar a fechar.
A situação brutalmente adversa do turismo, da restauração, das empresas sem capacidade de garantirem já os postos de trabalho, com o consequente aumento do índice de desemprego ... as exportações que caíram a pique e demoram para se reerguer ... estão a lançar para a miséria, muitos e muitos agregados familiares !
Ou seja, vive-se neste momento uma verdadeira prova de fogo, a que o Governo respondeu, em tentativa de embolizar a situação, com o decreto de um novo Estado de Contingência, já a partir do próximo dia 15 !
As restrições acentuar-se-ão, as medidas impostas à protecção individual e colectiva serão mais rigorosas e apertadas, os cuidados a observar ainda mais exaustivos. 
Em suma, voltaremos a sentir o peso de um  novo isolamento mais exigente, de um maior afastamento e solidão outra vez ... de uma vivência excepcional e mais desgastante ainda ... nós, os que já nos sentimos tão fragilizados e cansados e que psicologicamente ( sobretudo as pessoas de faixas etárias mais avançadas ) percebemos claramente, uma resiliência a esfrangalhar-se dia após dia !...

Bom ... aonde os figos me trouxeram !!! 😄😄😄

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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