sexta-feira, 14 de maio de 2021

" E JÁ FORAM TANTOS !... "



Vermos partir os nossos ascendentes é um processo doloroso, violento, mas que vivenciamos com alguma naturalidade, eu diria.  A vida prepara-nos para isso mesmo, forja-nos uma aceitação e confere-nos um olhar quase pacífico face á inevitabilidade.

É certo que nos debatemos, que sentimos em nós alguma injustiça, que nos rebelamos, como se alguém pudesse conter o percurso inevitável de todo o ser humano !...
Mas acabamos por apaziguar o espírito, dizemo-nos que essa separação será só até um "destes dias", que todos afinal, começamos a morrer um pouco desde o instante em que pousamos o pé na vida, e que o destino de todo o ser vivo é esse mesmo.  
O que difere, é o tempo que genericamente é distribuído a cada espécie, a sua robustez física, e claro, algum inexpectável acidente de percurso.
Assim, se tudo ocorrer dentro do teoricamente previsível, se nada precipitar o desfecho final e o mesmo ocorrer já em idades provectas, consolamo-nos dizendo que aquela avó ou avô, tio ou mesmo mãe e pai, acabaram tendo uma vida plena e que o seu caminho aqui na Terra, afinal foi de bom tamanho e usufruído generosamente.
E depois, sempre acrescentamos para nós mesmos, que essa despedida sê-lo-á apenas por algum tempo, já que "qualquer dia", talvez mais breve do que o suposto, voltaremos a encontrar-nos !...

Acho que é uma defesa que buscamos para aliviar um pouco a dor da alma que sentimos.  É uma espécie de mitigação e refrigério que nos damos, para que a continuação da nossa caminhada não seja tão penosa e insuportável, em meio da orfandade terrível que se nos abate.
Quem aceita a continuidade da vida além da morte, noutra dimensão e noutro contexto, quem encara como coisa assumida que, estando atentos aos sinais, perceberemos que aqueles seres de luz não se afastam totalmente dos terráqueos que por aqui ficaram, acaba minorando a rudeza do percurso, acaba aligeirando a dureza da existência, e prodigaliza um amparo e um conforto para os corações, que desta forma se sentem mais aconchegados em cada provação do destino.
E assim vamos, talvez inocentemente, caminhando !

Não interessa!
Afinal é como escudarmo-nos numa entidade superior, é como protegermo-nos nos braços de um qualquer deus, ou como aquietarmo-nos no cólo de uma qualquer santa ou virgem em que acreditemos.
Afinal, tudo não vai além, simplesmente, da convicção pessoal e não mais.  Tudo depende apenas da nossa capacidade de Fé ... independentemente do objecto dessa nossa Fé !

Mas, afasto-me daquilo que me ocupou a mente no início deste meu escrito ...

Ontem, faleceu mais uma colega.  Daquelas de toda a vida, nos trinta e muitos anos que leccionei na mesma escola.
As pessoas cruzam as suas vidas com as nossas, partilham os seus caminhos com os que trilhamos, dividem experiências, preocupações, alegrias, cumplicidades ... ao longo dos tempos ...
As pessoas trocaram aprendizagens, vivências, ensinamentos ... demo-nos afecto e carinho também ...
E depois, não bastando o trilho de afastamento que a vida nos acaba impondo, as pessoas vão partindo.

E porque sempre as lembramos como foram, como eram então ... porque continuamos também a imaginar-nos como fomos, como éramos então ... vivenciamos uma realidade fictícia da não passagem do tempo, e consequentemente, a despedida dos colegas e amigos surpreende-nos violentamente como um processo quase "contranatura", como não natural, como abusivo ... como uma pirraça malfeitora do decurso impiedoso das nossas existências !

E se os nossos ascendentes nos deixam com uma dor "calculada", digamos ... a partida daqueles que geracionalmente estão aqui ao mesmo tempo que nós, entreabre-nos repentinamente, quase inesperadamente, uma nesga do futuro que talvez não quiséssemos equacionar.  Mostram-nos, com dura clareza, que afinal nós também, já colocados na "calha", aguardamos a nossa vez, talvez mais próxima do que consciencializamos, pensamento esse que sempre quisemos afastar ! 
E têm partido muitos ! Têm partido tantos !... E têm-nos deixado cada vez mais pobres, mais órfãos, mais sozinhos !

Desta feita, Vitória, que o caminho te seja leve, que a paz te inunde e que as bênçãos em que acreditaste te bafejem e te assistam !
Eu, lembrarei sempre o teu ar decidido, lúcido, resoluto, pragmático e bem disposto !
Descansa em paz !

Anamar

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