sexta-feira, 21 de maio de 2021

" NÃO SEI ! "

 


Não escrevo, não saio, não convivo ... não tenho nenhum tipo de paciência nem com as coisas nem com as pessoas.  Agasto-me, encurto conversas ... evito, se der.
Deixei de poder fazer a caminhada, que sempre funcionava como um escape, um momento de lazer e um recarregar de "baterias", à conta das intervenções cirúrgicas aos olhos, com o consequente desequilíbrio e desajuste da visão.
Com chuva ou com sol, refilando ou não, elas constituíam uma justificativa para dar um mínimo de sentido ao meu dia.  Eram uma fuga às quatro paredes que me sufocam, e um contacto com a natureza renovadora, equilibrante e potenciadora da saúde física e mental.
Agora, e ainda vai demorar algum tempo, a reposição dessa rotina continua interrompida.

Entretanto, sinto-me péssima neste momento.  Tenho uma clara noção de que, agora sim, o meu frágil equilíbrio emocional que se foi esfiapando ao longo de infinitos e intermináveis meses duma vida absolutamente anormal e estranha, a que temos sido relegados mercê da Covid e das sucessivas restrições e quarentenas a que fomos submetidos, está irreversivelmente danificado.
Não sinto em mim nenhuma capacidade de reacção, de ânimo, de força, de energia para lhe reverter o estado e o percurso... para o reconverter.
Os dias sucedem-se iguais. Com mais sol ou mais chuva, com mais Primavera ou Inverno, os horizontes repetem-se, e a sensação de estar atolada num lodo que me suga e não desprende, avoluma-se com eles.
Tenho em mim uma tristeza sentida, uma solidão que dói, um desânimo que me devasta.

Penso muito na morte, na partida, como se ela se anunciasse numa esquina contígua.  É um pensamento recorrente que domina os meus dias, como se apenas me coubesse esperá-la, e não houvesse já nada mais a vivenciar por aqui. Como se, sonhos, projectos, concretizações, ideais fundamentais para nortear a nossa existência, não coubessem já nos trilhos destinados, não fizessem já sentido no figurino de vida a viver. 
Como dizia uma amiga, parecendo estar a vivenciar e a sentir algo semelhante ... "vivo para morrer !..." ( não sei se consigo ser clara nesta afirmação )

Há alguns anos atrás, eu tinha focos, interesses, acreditava em futuros, fossem lá eles o que fossem.  Mas criava-os, desenhava-os, entusiasmava-me com eles.  Sentia valer a pena apostar em metas, colocava etapas na vida, fasquias a atingir - agora isto, depois aquilo - razões que dessem sentido ao caminhar.
Agora, estou absolutamente esvaziada de vontades, de interesses, de energia ou creres.  Só um cansaço mórbido me domina e isso tem um nome ... eu sei !

Bulho comigo mesma, digo-me que isto não é viver ... mas, onde encontro em mim o ânimo para sacudir as penas e voar outra vez ?!

Desvalorizo as "receitas" pedagógicas que generosamente me dão.  Não tenho paciência p'ra frases feitas, pensamentos de "plástico", teorias de auto-ajuda que me aconselham.  Não me fazem sentido !
Escombros ... escombros é uma espécie do que está a sobrar de mim ... simplesmente !

Depois penalizo-me, e se racionalizo, acho-me de facto frivolamente tonta. Futilmente sensível.
Porquê esta visualização da vida ?!  Porquê esta abordagem imatura da realidade ?!  Porquê esta exigência absurda da existência ?!
O mundo não gira à minha volta!  Os problemas reais e objectivos que dominam e angustiam milhões e milhões de pessoas, não me atormentam.  Tenho o que comer, tenho o que vestir, tenho um tecto sob que me proteger, tenho saúde, tenho uma família minimamente estruturada e a viver com as dificuldades normais que perturbam, grosso modo, toda a gente. Não mais.  Tenho resolvidas folgadamente as questões  triviais que atormentam violentamente, tantas faixas da sociedade.  Tenho uma terra, tenho um país, sou pertença de valores e lugares que me garantem nichos de conforto. Tenho segurança.  Mais ou menos, tenho certezas no dia a dia.
Não preciso de fazer uma trouxa e palmilhar mares e destinos ignotos, para assegurar os meus, na busca tão só de um amanhã ...  Não vivo sob o ribombar de bombas, estilhaços de balas, sirenes, gritos e lágrimas, em meio de vivos e mortos ... confrontando todo o tipo de ameaças, violência e atrocidades gratuitas ... sabendo que adormeço e nunca sabendo se desperto no dia seguinte ...
Vivo na Europa, garante só por si, de dignidade, princípios, respeito e protecção, e não em nenhum país sub-mundista, numa América Latina, numa Índia ou países miseráveis do oriente.

Então, se é assim, por que vivo nesta infelicidade atroz ?!
Por que não vivo, e diria que apenas vegeto ?!
Por que são apenas vários os tons de cinzento que pincelam as cores dos meus dias ?

Não sei ! Apenas o cansaço é palpável, apenas o nevoeiro cerra os meus horizontes, apenas a desesperança e uma apatia que me tolhe, domina a minha existência !
Mais ... não sei !!!

Anamar

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