segunda-feira, 24 de julho de 2023

" MAIS UMA LUZ LÁ POR CIMA ... "



                                                                2012  -  24 Julho 2023


Primeiro são os olhos.  Sempre primeiro são os olhos e a ternura que passavam ao olhar-me. 
Até ao fim ...
Depois, as mãos.  As mãos são sábias.  Não precisam de voz p'ra exprimir o que sentem. As mãos ou as patas, tanto faz.  E era assim ... ele não saciava nunca a ânsia de um afago, quando nos puxava pelo braço, uma e outra vez. 
Era uma festa, e outra, e mais outra ... porque não sabia dizer "mais"... não aceitava que eu lhe dissesse "chega" ... e ronronava deliciado...
Finalmente vem o cheiro, o nosso cheiro que sempre buscam nos nossos lugares, nas nossas coisas, nos espaços que deixámos vazios ...
O cheiro que nos identifica, o cheiro que nos deixava ao roçar-se ... no cumprimento, na marca ... na saudação, e também na ternura e no reconhecimento .

Vazio está tudo agora.  Profundamente vazio ... pesado de vazio ...
Já não me vens esperar à porta, sempre com ar de aceitação e alegria, mesmo quando eu havia dito "a dona já vem ... espera só um bocadinho !"... e esse bocadinho tinha sido uma semana, dez dias ...
Não importava.  Eu já estava de novo, para passares pelas brasas chegadinho ao meu corpo, quando dividíamos o enfado da televisão.
Já não corres atrás da vassoura, ou me pedes água no poliban.  As gotinhas, uma a uma, eram um fascínio para um gato brincalhão ... 
E os teus passeios à escada, quando a porta se abria e a tua curiosidade te convidava à liberdade do lado de fora, também já não vão mais repetir-se...
Estou aqui a pensar se te despediste do Jonas, que agora anda meio perdido à tua procura, por certo sem perceber grande coisa. 
Da Teresa, que te adorava, sei que não te despediste.  Afinal, não houve tempo.  Ela passará a olhar-te, por cada noite, lá longe, na estrelinha ... a mais brilhante que o céu agora tiver !...
A Teresa, afinal, já vai coleccionando algumas "estrelinhas" lá por cima ... infelizmente ...
A esta hora, com o calor da tarde, estarias aqui no cantinho da secretária, deitado preguiçosamente, bem relaxado no sono profundo que fazias com gosto.  Eu, no computador, escrevia, ouvia música, ou simplesmente vagueava por aí ...
Percebia-se claramente que já sonhavas, e só contemporizavas em abrir um olho e arrebitares as orelhas, quando o teu nome era proferido bem mais alto ... "Chico, oh Chico" ... e era assim todos os dias ! 
Olho para lá e não te encontro. Só o tal vazio pesado e um silêncio tonitruante que me trespassa a alma ! 

Os teus ritmos, as rotinas, tudo aquilo que nos desenha a vida, todos os sinais, as memórias ... o que fizemos, dissemos, com que marcámos as nossas existências e as de todos os que se cruzaram connosco, são de facto o que fica, sempre ficará, e constroem as nossas histórias ... Até um dia ...

Partilhámos um pedaço delas, Chico.  As nossas estradas são feitas de parcelas, de pedaços indeléveis, pelo bem e pelo mal.  Acompanhámo-nos, dividimo-nos, "dialogámos" ... até chorei contigo, algumas vezes, em marés mais alterosas. 
Eras o meu gato XXL ... como eu dizia e como o eras, no princípio, antes da maldita doença te devastar.
Hoje, pelas quatro da tarde, no meu cólo adormeceste rumo a outra dimensão.  E eu fiquei mais pobre, muito mais pobre, porque um imenso pedaço de mim, do meu coração e da minha alma, também foi contigo.
Contei-te uma história. Falei-te do Jonas, da Teresa ... de mim ... e sussurrei-te que era injusto deixares-me por aqui ... tremenda deslealdade ... nem parece teu, Chico !!
  
Um dia talvez nos encontremos.  Acredito que vocês todos, os que foram adiante, hão-de esperar pelos que ficaram um pouco para trás.  Até é uma ideia esperançosa que me agrada e ajuda, nesta hora em que tudo é triste e escuro à minha volta ...
Havemos de fazer uma grande festa e eu prometo-te levar os "baguinhos" gulosos com que te aliciava quando queria que viesses atrás de mim ...  

Adeus Chico, obrigada por teres iluminado o meu caminho.  Sem ti, nunca nada mais vai ser igual !
Onde estarás agora ?  Será que nos vês daí donde estás ?  Já estou cheia de saudades ...
Descansa em paz !

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Está vivo na memória das gentes, que com ele privaram, não tenho qualquer dúvida.
Era um Senhor Gato, grande, muito bonito, muito sociável, ternurento e muito meigo.
Os animais de companhia, são uma companhia inestimável e muito melhores que muitos seres humanos.
As minhas Condolências
Jonas

anamar disse...

Obrigada.
Tu conheceste-o bem, creio. Deixou um vazio sem tamanho na minha vida !