quinta-feira, 26 de março de 2009

"AQUELE PITOSPORO..."




«Reparou que o pitosporo estava de novo em flor. Brevemente viriam aquelas noites de Fevereiro em que a brisa lhe traria o aroma inebriante a flor de laranjeira.
É verdade, era de novo quase Primavera...outra vez...mais um ano!...

Fevereiro amanhecera com dias lindos, com dias "gloriosos", de um céu azul transparente e com um sol luminoso e aconchegante. O sol sempre lhe dava que pensar, ou melhor, a ausência deste...sem ele, não poderia viver, sequer vegetar...;
o ciclo biológico repetia-se, a renovação da vida voltava a dar-se, o milagre do recomeço eclodia, sempre espectacular, sempre abismal!...
E o tempo a escoar-se na ampulheta da vida, do destino, e os dias "lá dentro" sempre tão escuros (contrastando com o prodígio da luz no exterior à sua volta...), sempre fastidiosamente iguais.
"Isto está cada vez pior..." pensou...»


A minha praceta tinha um pitosporo, uma palmeira residente há uma vida, e algumas outra árvores...Não muito frondosas, é certo, mas tinha!
Isto foi antes de terem "inventado" um parque subterrâneo, para obviar algumas dificuldades de estacionamento e garantirem (dois em um), votos a multiplicarem-se nas urnas, numas Autárquicas quaisquer. O habitual, claro.

Isto remonta ao tempo em que eu sempre vinha a pé, fossem que horas fossem, do liceu para casa (ainda não tinha sido assaltada).

E era sempre assim...Numa qualquer noite, quando a Primavera ainda só se anunciava, quando a brisa ténue inundava a praceta deserta àquela hora, o pitosporo, promissor nas suas grinaldas de pequenas flores brancas, inebriantes no perfume de flor de laranjeira, de "supetão", "obrigava-me" a parar, a contemplar, a sorver despudoradamente aquele perfume inebriante.

E quase sempre as lágrimas me afloravam os olhos...
Era uma emoção estranha, um misto de surpresa, de gratidão, de encantamento, como se fosse a primeira vez que me dera conta do "milagre"...concluindo nostálgica, que mais um ano passara...

O pitosporo já cá não está, a palmeira velhinha também não...
Arrancaram, sem dó nem piedade, os "ex-libris" da minha praceta...
Nesse dia chorei. Senti-me amputada. Pus no papel o pequeno texto de data incerta, com que iniciei este post, e numa casa que eu tive, num jardim que foi meu, plantei um pitosporo...
Esse, ainda lá está!...

Era meia noite dada, a escola já estava difusa de luzes, deserta de gentes.
Saímos juntas, eu, uma colega e uma aluna com quem ela conversava.
Numa pausa, diz-me a jovem :"Mais um dia, não é verdade"?
Eu silenciei segundos e disse-lhe: "Ou menos um dia...depende da óptica..."
Ela sorriu, como que interiorizando o que eu verbalizara, e disse-me:"Para a senhora talvez menos um, para mim talvez mais um"!
Novamente silenciei mais alguns segundos...Sorri, olhei para ela e respondi-lhe: "Não, menos um dia, tanto para si, como para mim...Desde o dia em que nascemos, que entrámos em contagem decrescente. Começámos a morrer nesse dia!"...

A minha colega, que se tinha afastado um pouco, chegou então. A aluna deve ter pensado para com os seus botões: "Há malucos para tudo!!!..."

E não sabe ela da história do pitosporo!!!...

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

E cada vez passam mais depressa...ou não?!
Sonho que consigo chegar à reforma (com uma quantia que me permita sobreviver com dignidade)o que implicaria já ter idade avançada.Será normal?!
Alguém deseja ser velho num abrir e fechar de olhos?!

Não dá para aguentar...
Beij

Maria Romã

anamar disse...

Olá Maria Romã
Não é de certeza normal, o que é facto é que nunca ninguém desejou ter tantos anos como agora!!! Sintomático...não???
Tudo é ilógico e brutalmente estúpido...
Beijokinhas
Anamar

Andei à tua procura, hoje. Amanhã estarás lá???