sexta-feira, 20 de março de 2009

"A VIDA TEM DESTAS COISAS..."

Ando por demais cansada...
Mas não é de forma nenhuma aquele cansaço que nos faz ansiar por uma cama perto, desejar "apagar", nem que por escassos dez minutos, ou dizer: "que se lixe o pó! Hoje já não mexo uma palha!"...

Não...
O meu cansaço é aquele cansaço que se traduz por desânimo, desinteresse, falta de vontade até de sorver o sol desta Primavera antecipada, falta de alegria para pular da cama, arregaçar as mangas já com um sorriso no rosto...
Este cansaço que me empurra para uma posição fetal entre lençóis, suspirando que o alarme do despertador se esqueça de me lembrar as horas, é aquilo que vulgarmente os médicos, os cidadãos comuns (que nem carecem ser letrados), chamam de um estado depressivo...

A nomenclatura não me interessa particularmente, mas efectivamente penso que engrosso exactamente o estado de espírito cinzento, cada vez mais cinzento, de, se calhar dois terços deste nosso Portugal.

Sou professora, já o referi muitas vezes, quando ainda me sentia "Padeira de Aljubarrota" no meu meio profissional, quando ainda exultava com o que fazia e não arrastava grilhões aos pés, quando ainda me sentia "farol" para tantos e tantos...
Hoje, falar do "tanto" que me vai levar, a talvez pela primeira vez na vida, me saber uma desistente...dá-me engulhos, causa-me náuseas...

Sou mãe, quase já só em regime de "part time" (filhas com idades e vidas de autonomias), de quem estou, reconheço, excessivamente desvinculada, em termos de vida, nunca de coração...

Sou filha única, de uma mãe em recta final... lúcida, muito lúcida, e por isso, amarga, revoltada, sentindo-se ainda com lugar cativo, por direito.
Uma mulher que recusa ser "obrigada" a fazer malas e partir, pelo menos enquanto houver dos "seus", por aí a crescer, a fazerem-se gente...

Tenho netos que amo, e sou profundamente omissa com eles.
Sou relapsa, ausente. Estou a perdê-los um bocadinho todos os dias.
Não teço os laços que o sangue só, não consegue tecer se o coração lhe falta...
Eu sei disso, e isso é uma ferida aberta que não sára...

Sou amiga de amigas que o são na verdade, e que só continuam a pé firme, porque são daquelas com letra maiúscula...

Finalmente, sou uma mulher visceralmente só, sem ser capaz de o ser...; pseudo- independente na maior dependência afectiva dum sorriso, dum olhar, de uma atenção; "fortalhaça", pragmática, segura...com a maior falta de auto-confiança e auto-estima...; um "bluff", em suma...; "um saco roto de afecto"...foi-me um dia diagnosticado por alguém sabedor...quando na verdade já esgotei os meus "créditos afectivos" para com a vida...

Não aceito o passar dos dias, não aceito o chegar das limitações, revolto-me com os problemas de saúde que desfilam, tenho raiva a todo o "percurso" que me ultrapassou, sem que eu soubesse ou pudesse fazer nada!

Enfim, sou como um dia disse a brincar que escrevessem na minha lápide: "uma mulher que viveu profundamente infeliz..."
Brincava (porque eu nem sequer vou ter lápide, já que a escolha é outra), mas não brincava na frase...seguramente.

Como se vê,tenho um perfil quase desumano e monstruoso, para um mix sem rumo, para um novelo que de tão emaranhado se lhe não vislumbra ponta, para uma negritude tão absoluta, que me trai às vezes e me fragiliza e desnuda...

Hoje, na aula da turma que "salvará" o meu último ano lectivo, aqueles sete alunos, dos dezoito aos cinquenta anos, que falam mal a "linguagem" da Física e da Química (no esforço de mais uma noite na escola, depois de mais um dia de trabalhos e responsabilidades)... aqueles sete alunos,que muito mais que discípulos, são ombro, ouvidos, companheiros, amigos, quase filhos ou irmãos...sei lá...encheram um pouquinho o "meu saco roto", fizeram-me crer outra vez gratificante esta profissão de pastora de almas também, aqueceram o que pressentiram estar gelado por dentro, sopraram-me palavras de amparo e coragem, "secaram-me" as lágrimas teimosas, "desenovelaram-me" o nó que não descia... e mostraram-me que talvez amanhã, haja sol outra vez!...

Anamar

7 comentários:

Anónimo disse...

Li...parei...reli...reflecti.
Estou preocupada e muito...o que nos espera? Que futuro? Vais mesmo abandonar? Como é possível chegarmos a este estado de amargura, de angústia, de vontade de desertar?!
Como é possível, depois de décadas passarmos de efectivos (lugar conquistado com muito suor, muitos anos de trouxa às costas,...muito pagar...para trabalhar) passarmos a contratados? Como ?! Como? Porquê?!
Não será legítimo contarmos com uns euros mensalmente para cumprir as nossas obrigações, os nossos compromissos financeiros, enfim mantermos a nossa dignidade e honradez ?! Porquê?! Os ambientes deteoram-se rapidamente falar ou estar calado já pode ser sinónimo do mesmo...sei lá o quê...
Os atropelos, o diz que se disse, a incompreensão a intolerância, a malvadez...já deixou de espreitar...já mostra as garras e está de "peito feito" para pisar, calcar, caluniar...
O que irá acontecer a partir de Setembro?! Será que ter olhos castanhos ou azuis fará a diferença?
Será que tecer críticas construtivas será considerada ameaça e com direito a...?!
Será que enveredar pelo caminho do “carneirismo” irá beneficiar a escola pública...ou simplesmente ir garantindo algum pão para a mesa?!
Será que todos os sacrifícios e o sangue que correu para acabar com o celebre lápis azul...vai ser morto, enterrado...simplesmente esquecido?!

Por favor que as memórias se erguem que as vozes se levantem e gritem em uníssono: NÃO! BASTA, BASTA...voltar a trás NUNCA, JAMAIS!
Eu não quero viver num mundo gerido pelos ricos e poderosos que só o são porque submetem ,escravizam, condenam todos os outros ao seu poder à sua vontade,...

Degradar a escola pública significará passar papeis (diplomas?!) a pessoas que com o nível de cultura e formação tão baixo ser-lhe-á destinada apenas e só isso: servidão sem direito a escolha, a evoluir, a ter expectativas mais elevadas. Quem não adquire os conhecimentos suficientes, quem não aprende a manipular, a manusear a informação que o rodeia, será uma pessoa resignada...talvez até feliz...só tem acesso ao que lhe permite a triste educação que lhe prometeram que lhe traria milagres e mudaria a sua vida.
É um facto quando menos soubermos e/ou entendermos menos reclamamos, menos contestamos....viva o rebanho.

Desculpa o testamento

Beij
Maria Romã

Anónimo disse...

Também eu li...parei...reflecti.
Não vou repetir tudo o que foi já dito, e muito bem dito, pela Maria Romã.
Só quero dizer-te que muito do que sentes, eu sinto, outros certamente estão a sentir.
É que, aparte alguns sentimentos muito pessoais, oriundos da nossa vida pessoal, que doem e muito, temos que carregar com a desilusão imensa do estado a que chegou o nosso país.
Com crise internacional ou sem ela, este Portugal vem caminhando, dia após dia, para uma imensa negritude a fazer lembrar outros tempos.
O túnel agiganta-se e nada de luz ao fundo.
Para quem acreditava num país melhor, mais igualitário, mais justo, mais desenvolvido, são facadas e facadas!
E é aqui, a somar a tudo o resto, que o cansaço nos invade e ganha a alma.
Entretanto, temos que nos tentar segurar nos ombros amigos que cada um ainda possa ter.
Um enorme abracinho
Lena (spaces...amplos)
PS: claro que tens o meu ombro, alquebradito, mas quand même...

Anónimo disse...

Ol]a Ana

Mandei um comentario para ti.Parece que nao foi recebido.
Espero que esteja tudo bem contigo

Fernando

Anónimo disse...

Ola Ana.

Acho que fiz asneira.qq coisa, nao interessa.
Escrevo sem acentos, devido a mudanca de teclado.
Acho te uma pessoa interessante, com extremas qualidades.Independentemente de viveres so, ou nao.
De certeza que ja destrocaste coracoes.
Tenho a certeza.
Agora, sinto me triste quando te vejo desiludida com tudo.
Se quiseres desabafar conta comigo/fjsequeira@fc.ul.pt.
Agora quero te ver alegre e linda.

Um beijinho

Fernando

anamar disse...

Maria Romã
Obrigada, não "pelo testamento", como dizes, mas pela sensibilidade em relação ao meu estado de alma.
Já não pertenço a esta "guerra"...ou a toda esta "guerra" mais generalizada em que se transformou o país e o Mundo...
Ensina-me o caminho para Marte, vá lá!...
Neste "condomínio" receio que já não haja lugar para mim...estou simplesmente cansada!!!
Beijinho grande
Anamar

anamar disse...

"Quand même"...Lenaspace, eu acho que já não há ombro, alquebradito ou não que me escore.
Acho que o vazio do gorar de esperanças, expectativas e creres, com que nos fizeram sorrir, depois de anos e anos de esperanças adiadas, mais cruelmente nos deixaram desfeitos quando nos esvaziaram as mãos e a alma.
Este povo vai custar a reerguer-se, podes crer...e tenho medo, muito medo...sobretudo dos "profetas" que nestas alturas se erguem e arrebanham os fragilizados e desesperançosos...
Beijinho grande
Anamar

anamar disse...

Olá Fernando
Obrigada pelo que me dizes. Contudo acho-te benevolente na tua avaliação.
Um destes dias envio-te um mail com mais calma; agora (quase Páscoa), receio ocupar-te e importunar-te com toda a parafrenália de angústias, inquietações, desesperança em muita coisa...enfim, um não saber mexer-me muito bem em quadros de valores e creres nos quais me sinto desenquadrada...
Bom, mas eu sou "out-sider" mesmo, isto para não dizer prosaicamente que os parafusos não estão muito afinados!!!!
Um beijinho grande e vai-te entretendo com as minhas desditas mesmo!...
Anamar