sábado, 9 de novembro de 2013

" A LARISSA "



Fui acordada às oito da manhã, neste sábado ensolarado, com os estendais da roupa da vizinha de baixo, emperrados a correr.
Olhei o relógio, e concluí que para sábado, isto era uma verdadeira madrugada, e constatei portanto também, que era sábado, porque me perco no tempo.
Perguntei-me que raio de felicidade terá alguém ( casal aposentado, até de filhos ), estendendo roupa às oito da manhã, num sábado ?!...

Não fui fadada p'ra prendas domésticas.  Aliás, para mim, são um verdadeiro tormento.
A minha mãe poupou-me de as fazer, porque afinal, "eu tinha que estudar" ...
Casei, e como trabalhava e economicamente era comportável, sempre tive empregada.  A chamada mulher a dias, como se lembram.
Passaram várias pela minha casa, porque também sabem por certo, que elas só são boas profissionais, nos primeiros tempos.
Depois, terreno conquistado, confiança ganha, começam a fazer-se de "mongas", a enredar para o tempo passar rápido, a passar ao lado, etc, etc ... todos esses artifícios, fingindo que limpam mas não limpam, partem coisas e não dizem, e por aí fora ...
Neste momento, porque as condições económicas não suportam mais, e porque estou só, tenho a Larissa, que já está comigo para mais de doze anos.

A Larissa é uma ucraniana, que com marido e filho se sediou em Portugal há já largos anos, onde reorganizou a sua vida de emigrante, muito sofrida, por sinal.
A Larissa é um doce de pessoa.  Licenciada em Química, o marido  Engenheiro Civil, trabalham respectiamente como empregada doméstica e na construção, em lugares  subalternos, obviamente.
O filho está a terminar uma licenciatura no Instituto Superior Técnico, e é um aluno brilhante e muito esforçado.

Humilde, dedicada, honestíssima, cumpridora, disponível, é uma pessoa de uma dedicação e de uma educação extremas.
Como foi criada sem mãe, por uma avó adoptiva, revê na minha mãe, a avó que já a deixou há muito, e que ela tratou até que partiu, e tem uma doçura particular e um desvelo enternecedores, por ela.
Neste momento, a Larissa trabalha também em casa da minha filha mais velha, e está totalmente assimilada pela nossa família.

Ela já não é a empregada doméstica, como tantas que por aqui passaram, mas é uma amiga, uma familiar minha.
Comigo conversa todos os problemas que a atormentam, no seu português atravessado, porque continua a sentir-se muito sozinha, num país estranho, longe da terra onde cresceu, e onde deixou o filho mais velho.
Comigo chora muitas vezes, comigo partilha as tradições e os costumes  do seu país, da terra onde viveu, da religião  ortodoxa em que foi criada.
A mim conta todo o seu passado difícil, na Ucrânia ... e fala do pai  muito idoso e doente, a quem não pode dar assistência ...

Claro que hoje, a Larissa, à semelhança de todas, deixou de ser a empregada de excelência que era, eu deixei de lhe chamar a atenção para omissões ou imperfeições no seu trabalho, porque a nossa relação atingiu um estatuto completamente diferente.
Hoje deixei de ter uma tão "boa" empregada, uma tão "boa" profissional, mas ganhei uma boa amiga, uma confidente muitas vezes, alguém totalmente integrado na minha família, alguém com quem posso contar em qualquer circunstância, porque sei que não me faltará ...
... e isso não se compra, não se paga, não tem preço ... isso, é um privilégio na Vida !!!

Anamar

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