quarta-feira, 13 de novembro de 2013

" ONTEM FIZ ANOS ... "



Ontem  fiz  anos, que  é  uma  coisa  que eu já  não  fazia  p'ra  lá  de  tempo ...
Mas ontem rendi-me, que remédio !  E pensei que tenho que os apagar, não no Bilhete de Identidade, mas aqui dentro dos miolos, e ponto final !

Saí para a rua.
Estava um sol espectacular, envolventemente quente.  E fui-o aproveitando, enquanto caminhava.
Passei por debaixo de um jacarandá ( onde passo todos os dias ), neste momento sem floração, mas com uma copa farfalhuda, de um verde intenso e luminoso.
Até  fiz  uma  pausa  para olhar a cabeleira  frondosa, por cima de mim, como se fosse  a  primeira  vez  que o via ...
Que raio tinha o jacarandá ontem ?!...
E pensei, que apesar dos pesares, sempre é melhor estar cá deste lado, onde o sol me aquece e um jacarandá me deslumbra ...

Depois, tinha a minha mãe à minha espera para o almoço.  Com quase 93 anos, havia-se levantado às quatro da manhã, para, no seu ritmo, conseguir ter prontos a horas, uma assadeira de carne com batatinhas no forno, salada, fruta, e uma taça de farófias, que ela sabe ser um dos meus doces preferidos.
Mesa posta, com toalha bordada, e uma alegria que a transcendia.
Pedira-me muito, na véspera, que viesse almoçar com ela ( a velha história de poder ser a última vez ... ) ;  a neta mais velha, em quarenta minutos que tinha para almoço conseguiu por-se cá, a mais nova, que trabalhava até mais tarde, veio depois, para um cafezinho que fomos tomar as três.
Enfim, tive ali, junto de mim, os meus esteios na vida, neste momento : a minha mãe e as minhas filhas ... os afectos reais mais próximos, que me sobram ... e senti-me sortuda por isso, muito sortuda e agradecida à Vida, sem dúvida ...

O dia correu no ritmo de sempre, apenas perturbado por alguns telefonemas ou mensagens de amigos, que nunca nos esquecem, mesmo de longe, e nos aquecem o coração.

Chegou a noite e deitei-me cedo. Li um pouco de um dos livros que me haviam oferecido, e apaguei a luz, porque o sono me pesava nas pálpebras.
Lá pelas 2 h da manhã, fui brindada com uma insónia de horas, daquelas que costumam deixar-nos de cabelos em pé, e uma irritação que nos faz acordar insuportáveis, na manhã seguinte.
Espantosamente, contudo, não me incomodei com as horas que passei, de olho fechado mas de alma arregalada, na escuridão do quarto, sem ousar mexer-me, porque o Chico e o Jonas dormiam a sono solto, e eu não queria perturbá-los.
Nem sequer "encroquetei" muito na cama, porque me sentia cómoda, repousada, e aninhada, e deixei fluir simplesmente o pensamento ...

Foi então a vez de rever a minha vida, como se desfolhasse um livro.
Foi como se, numa sala, assistisse a uma película onde eu era a protagonista, e onde se narrava tudo, tudinho ...
O "tudo", que obviamente só eu conheço.
Assisti a cada período, a cada fase, a cada capítulo ... E as folhas iam sendo viradas ...

Percebi que em cada circustância, tudo foi assim, porque tinha que o ser.
Percebi que agi desta ou daquela forma, porque esse era o sentido em que acreditei, nesse instante.
Compreendi sem revolta ou raiva, que me cruzei com muita, muita gente que ficou para trás, e me deixou seguir, a quem agradeço em silêncio e sem que o suspeitem, porque ajudaram a dar significância, razão e cor, à minha história ...
Revi todos os que perdi, e por que os perdi.
Não me penalizei ou martirizei, por ter acontecido, e ter tido apenas o seu tempo.  Isso significa que eu não sabia fazer de outra forma, naquele momento ...
Percebi claramente o que procurava de cada vez, o que alcancei, e o que não.
Olhei de frente, a minha verdade em cada hora da vida, e corajosamente encarei o bom, o menos bom, e o mau ...

E senti-me em paz, felizmente.  Felizmente senti-me sem arrependimentos ou dúvidas, o que me tranquilizou e foi muito gratificante.
Desfilaram-me rostos, acontecimentos, frases largadas, palavras ditas, sonhos sonhados, a povoarem as nossas existências.  Risos, choros, mágoas, muitas mágoas, mas alegrias ... muitas alegrias também ...

Penso que fiz as pazes comigo mesma, pois assumi e percebi que a saudade e a nostalgia que sinto de pessoas, coisas ... de vida, que ficou para trás, é normal, faz parte de um processo de crescimento, e só pode fazer-me seguir em frente, liberta finalmente, para viver o que ainda me faltar e estiver destinado !...

O coração não se acelerou ... Batia no ritmo compassado de sempre, porque o que eu vivia naqueles momentos, era sobretudo uma quietude, uma satisfação interior, e a paz que habita os espíritos que têm a exacta percepção de que, por cada momento que se viveu, terão feito tudo o que era possível, e só o que lhes era devido e estava ao seu acance ...
E como diz um amigo meu, quando se vivencia essa sensação, e se afere esse balanço, o único sentimento que nos pode assaltar, é o de plenitude e tranquilidade ...
E então sim, podemos repousar a cabeça na almofada, sem sobressaltos ou angústias ... porque o merecemos !

Foi o que eu fiz, e dormi até que a madrugada já se acendia pelo quarto adentro, e eu já tinha completado mais um ano de vida !!!...

Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...


Olhar para a vida com serenidade,analizar com o distanciamento possivel a mesma, nos seus momentos bons e menos bons é sempre positivo, antes isso que tomar ansioliticos ou visitar o psiquiatra.
Um seu amigo que a estima.

anamar disse...

É... é positivo, quando e se, se consegue.
Infelizmente, quando a "turbulência" é excessiva, a saúde mental é afectada, e ainda que o queiramos, não se alcança esse desiderato.

Obrigada por ter comentado

Anamar

F Nando disse...

Parabéns mesmo atrasado mas sabes que são sinceros.
Beijinhos

anamar disse...

Obrigada Fernando. Bem-hajas.

Não tens dons adivinhatórios, que eu saiba! :)

Beijinhos

Anamar