sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A MÁGICA TECLA DE " DELETE" ...



A natureza humana tem desígnios estranhos.
Mecanismos ditados, que independem da vontade, e até da consciencialização que tenhamos sobre eles.

Reflectia eu ontem, num daqueles períodos em que mergulho, ou porque estou em silêncio, ou porque há demasiado silêncio à minha volta, ou porque por nada em particular, ou porque por tudo em particular ... somos assaltados por pensamentos desconectados da realidade, mas que nos caem aos trambolhões pela mente abaixo, e que buscam respostas, normalmente lógicas ( essa, é sempre preocupação nossa ) ... Reflectia eu ontem, dizia, assim do nada, como é possível o ser humano ter uma adaptabilidade espantosa, a situações que pareceriam intransponíveis, e que por vezes são ultrapassadas sem grandes mazelas ou marcas.

Refiro-me a questões objectivas, e outras nem tanto, refiro-me a questões materiais e questões emocionais.

A minha vida já é razoavelmente longa, e como tal, já passei por muitas coisas, já experienciei muitas situações, já senti muitos embates, que poderia chamar de traumatizantes, pela sua carga negativa em várias vertentes.
Tive uma vida para trás, dividida com muitas realidades diferentes, com locais diferentes, com pessoas diferentes. Cruzei vida, afinal, com muitas outras vidas ! 
E se me dissessem então, que eu sairia semi-incólume de tudo isso ... mais, se me dissessem que quando penso hoje, nessas realidades que vivi e experienciei, quase ponho em dúvida que elas tivessem existido.
Eu diria que era impossível, ou, a ser possível, então não posso estar de posse da minha sanidade mental !

Eu vivi em espaços que amei, que "nasceram" de mim, que guardam até hoje, em cada recanto, apontamentos ou marcas minhas e só minhas, que se relacionam com períodos até temporalmente longos da minha vida, períodos divididos com a minha família, onde as minhas filhas cresceram, brincaram, onde havia rituais inerentes a essas vivências ...
Contudo, olhando para trás, detecto um cordão umbilical totalmente cortado, lembranças que parecem pertencer a um filme a preto e branco, desfocado, distante e estranho ... nublado, e que me parece meramente uma reprise de ruim qualidade, e em que a protagonista nem sequer sou eu,

Não sinto, como talvez fosse espectável, nenhum "buraco" no peito, daquilo que apelidamos de saudade, nenhuma angústia pelo definitivo do nunca mais aceder a essas vivências, nenhum desespero por pensar : "bolas, tudo o que foi meu, não o é mais, mesmo as mais gratas e gostosas recordações, parecem  não  me afectar de todo ... Será  que  eu  vivi  mesmo,  tudo  aquilo ... ou  sonhei " ?...

Como se se desencadeasse em mim, um mecanismo de "deletar" algo que provavelmente me molestaria, um mecanismo de defesa da mente, e do coração ..

E vivo bem, sem ...

Este sentimento referente a realidades materiais, estende-se ao domínio do emocional e do afectivo.
A sabedoria popular costuma dizer, que "só faz falta quem está presente", ou que " quem não aparece, esquece " !
E sei por experiência própria, que a distância temporal, funciona de facto, como uma esponja que primeiro dilui um pouco, uma dor que tarda em nos deixar, para depois, chegarmos mesmo a por em causa efectiva, aqueles afectos ...
Parecia que sucumbiríamos à provação do afastamento traumatizante de alguém que foi fundamental nas nossas vidas ... mas depois ... depois, o desábito de termos esse alguém presente junto de nós, leva-nos a ir resistindo, a ir suportanto, a habituarmo-nos a novas realidades, e novos esquemas de vida ... e depois, um dia, acordamos e percebemos que a "película" não parece credível, que talvez não tenha sido bem assim, e que tudo aquilo que julgámos viver, se enleia numa manhã de nevoeiro cerrado !...

Estou certa, que se trata de facto de um subterfúgio do inconsciente sobre o consciente, como panaceia de maiores males.
O ser humano não quer "reviver" tudo outra vez, não quer magoar-se dolorosamente outra vez, não quer nem lembrar, que alguma coisa daquilo existiu.
Foi um sonho daqueles que esquecemos mal abrimos os olhos, foi outro alguém que atravessou aquela estrada ... Não eu !!!...

E por isso, uma vez mais, a sabedoria popular prima pela clarividência : "Quem não aparece, esquece" ou "Só nos faz falta, quem se faz presente "...
Os outros, são personagens das calendas gregas, que talvez não convenha acordar do "sono" profundo onde estão !!!...

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Delete é igual a apagar.
Seria bom apagarmos memórias indesejáveis.
Seria bom, esquecermo-nos do que é desagradável.
seria bom, deletarmos o tempo, dos "entre".
DEL é uma tecla, existente nalguns computadores.
DEL é uma tecla, que não fala nem Português, nem Português/Brasileiro, nem está sujeita a acordos ortográficos.
Por isso, viva o DEL.
J. Salaviza

anamar disse...

Olá

Sobretudo, DEL, é uma "sentença de morte"... e esquecer alguém ou alguma coisa, é por conveniência, necessidade ou paz, matarmos em nós, o que quer que seja, que nos faz seguramente mal.

Apenas, a nossa cabeça e o nosso coração, não foram programados pelo Arquitecto, para que DELETE existisse no nosso "teclado emocional".... Um verdadeiro incómodo !!!

Obrigada pelo seu comentário J. Salaviza.
Já que as pessoas não se expõem, por trabalho, falta de interesse, ou quiçá falta de tempo :( (vá-se lá saber ... ), quem comenta é sempre bem vindo, porque desse lado, quem se debruça sobre os meus escritos e já vão sendo muitos, ou não têm opinião, ou têm um DELETE de vontade.

Volte sempre e um abraço

Anamar