quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

" UMA VIDA SUSPENSA "



O estado mais próximo do que eu considero ser uma hibernação, é a minha vida actual.
Com uma só diferença : durante a hibernação, e mercê dela, os animais perdem peso, que advém do consumo da gordura acumulada para o efeito, antes desse período letárgico.

E eu, ao contrário, mercê da minha "hibernação" actual, acho que acumulo gordura desgraçadamente, como compensação desta vida suspensa, que vivencio...

Efectivamente, venho a sentir-me de há já algum razoável tempo a esta parte, como o urso polar, que na época adequada ( e nisso a Natureza é absolutamente sábia, porque lhe prepara as condições para esse período ), recolhe à toca ... e adormece.
Desliga o comutador, faz o clique de apagar as "luzes" ... não está p'ra nada nem ninguém, e simplesmente fica num estado catatónico que me agrada bastante.

No Homem este estado associa-se à esquizofrenia ... mas palavrões àparte, parece-me muito abençoado, que quando a vida fica igual ao dia de hoje, por exemplo ... nós possamos recolher-nos, e fechar para "balanço".

Convém  dizer,  que  o  dia  de  hoje está  atmosfericamente  indescritível !
Todo o céu está por igual, cinzento tempestuoso, o vento desabrido e gélido, açoita para cima de nós uma chuva forte e ininterrupta, não há uma única frestazinha lá fora que nos anime, não há aves nos céus ( nem as gaivotas tão habituadas às intempéries marinhas, por aqui aparecem ), os animais sem abrigo bramem,  perante um desconforto tão impiedoso !...
São cinco da tarde e a noite aproxima-se a passos largos.

A minha vida está exactamente assim.
Não enxergo nada, mas mesmo nada, que me leve a deitar a cabeça de fora, que é como quem diz, que me motive a viver cada dia.
Tudo igual, tudo cinzento, tudo de borrasca, tudo cansativo ... tudo sem a mínima graça !
Dou por mim, diariamente, a sentir que o período mais feliz, confortável, e de maior fruição nos meus dias, é aquele que começa, no momento em que também eu, embora não sendo ursa ( tanto quanto sei ... apesar de às vezes duvidar ... ), entro na toca, desligo do mundo, esqueço essas trivialidades chatas que tanto maçam o ser humano, e "hiberno"... se desligar, é hibernar, de facto ...

E em cada dia que passa, mergulho nesta catalepsia, mais e mais cedo.
Passo a explicar : cinco da tarde, corro cortinas, porque entretanto anoiteceu acentuadamente ;  daí até às oito da noite, pairo, com mais ou menos paciência pelo computador, pela escrita ( quando se justifica ... o que está sintomaticamente a rarear ), ou leio um pouco, com os pés devidamente confortáveis, na abençoada escalfeta, que em boa hora adquiri, porque a verba para pagar à EDP, diminui na razão inversa do gasto da energia necessária a aquecer-me, neste Inverno tão frio ...

Às oito da noite, faço uma ponte com o Mundo, através do telejornal, que "grosso modo" me consegue deixar mais mal disposta, inquieta, penalizada, angustiada ... quiçá aflita, com as notícias que veicula.
Terminado o dito, inicio a preparação da toca, que é como quem diz, abro a cama com os adoráveis, macios, fofos e quentes, lençóis térmicos.
Faço então o saco da água quente, e aqueço a maior caneca que tenho, com leite, que ao longo do serão, será bebido aos poucos, passando portanto de quente, a natural ...
Visa ele substituir, na maior parte das vezes, o jantar que não me apeteceu comer, e simultaneamente  propiciar a conciliação ( dizem ) do sono.

O silêncio impera no meu quarto, os gatos já estão disciplinados de que acabou a hora do recreio, a televisão aos pés da cama passa só o que me interessa, e eu tapo-me até ao pescoço, tipo tartaruga debaixo da carapaça.

E este ritual está a acontecer, de dia para dia, cada vez mais cedo. Tem dias / noites em que dou por mim, a transpor a "porta do paraíso", às nove da noite ...

Claro que o dia seguinte, que se me inicia às onze da manhã ( ! ), é curto, convenientemente curto, para que eu não consciencialize por demais, esta preocupante indiferença perante a vida.
Quanto mais durmo, menos estou acordada logicamente, menos penso neste arrastar de dias, nesta solidão sem nada que me alicie, me sacuda ou me empurre.
Hoje, nada de diferente tenho de ontem ... nada de diferente espero de amanhã ...
Tenho portanto, uma vida suspensa !...

Quem me conhece minimamente, sabe que este marasmo, este arrastar, esta indiferença, me mata aos poucos.
Isto, porque p'ra que eu me sinta viva, tenho que ter um objectivo traçado, uma luta iniciada, obstáculos a vencer, projectos com que sonhar, esperanças a prometerem-se-me ... e sentir adrenalina nas veias, suficiente para me colorir a realidade.
Daí que, o cinzentismo da alma, à semelhança do cinzentismo deste céu que tenho especado bem frente à minha janela, é um estertor de um ser que preferiu adormecer, hibernar, recolher-se, como o lobo, ou o urso, ao covil, quando os tempos são adversos ...

Pode viver-se assim ?
Chama-se a isto ... "viver-se" ?
Que desfecho  tem  um  trilho tão sinuoso, enviesado e sem horizonte, que justifique o cansaço de o percorrer ?...

Se alguém souber ... que me responda !

Anamar

Sem comentários: