Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
" CASA ROUBADA ..."
À medida que as desgraças acontecem neste país, são levantados então os problemas que as originam, com carácter de urgência .
Seis jovens morrem estupidamente na praia do Meco, tragados pelo mar, com suspeita de terem sido sujeitos a um ritual de praxe académica, inqualificável.
Discutem-se então as praxes, obviamente com carácter de urgência. Medidas a tomar, amplos debates sobre o tema, porque afinal, tendo embora ocorrido n relatos, lá para trás, de mortes causadas por abusos idênticos, por terem tido pouca visibilidade então, não suscitaram mobilização da sociedade.
Cada um ficou com os seus "prejuízos" ...
O poder da mediatização é um espanto, tal como o poder da ausência dela pelos media, têm a capacidade de empolar ou desvalorizar os acontecimentos, como uma onda gigante, essa sim, incontrolável.!
Desde logo, exaustivamente, todos os canais televisivos abrem invariavelmente ( e já decorreram quase dois meses ), com notícias especulativas ou não, que o espectador avidamente consome.
Desde logo, os depoimentos dos pais, dos colegas universitários, colegas directos ou não, das esferas académicas e governamentais envolvidas, de pedagogos nas diferentes áreas, de psicólogos, dos vizinhos da casa ocupada pelos jovens no fatídico fim de semana, do cidadão comum ... e na Net, este caso, tornou-se absolutamente viral, revestindo-se, quanto a mim, de riscos inevitáveis.
Desde a devassa da privacidade das famílias enlutadas, são incontrolavelmente veiculadas notícias fantasiosas, depoimentos anónimos, mails de quem não quer dar a cara, opiniões ( as mais variadas e credíveis ou não ) difundem-se como seguras, meras suposições bombásticas e sem consistência, criando-se um verdadeiro caldeirão do "diz que diz", e nada mais !
E o país entretem-se ...
Lembro, e todos lembrarão seguramente, a tragédia da derrocada da ponte de Entre-os-Rios, num famigerado 1 de Março, há já bastantes anos.
E lembro o que foi o poder do mediatismo de péssimo gosto, incontrolável, miserável mesmo, da comunicação social, que aproveitou esse triste "folhetim", para vender, vender, subir audiências ... entreter !
Como verdadeiros abutres, devassou-se sem escrúpulos, o âmago das famílias, os sentimentos dos reais sofredores do ocorrido, não respeitando o silêncio e o luto dos abrangidos ... e repetiu-se, repetiu-se o já visto, o já dito, vezes sem conta ... sem respeito !
Lembro que houve canais televisivos que cobriam ao milímetro tudo o que ocorria, em discursos empolados, ridículos e improvisados, de péssimo gosto, e jornalismo medíocre ... dias inteiros !
A ponte que já estava em mau estado há anos, por via da erosão nos pilares, pela subida e descida das águas, pelo desassoreamento das areias no leito do rio ... foi então, consertada !...
E o país entreteve-se ...
Lembro, e todos lembrarão, os horríveis, castigadores e dramáticos fogos, que recentemente assolaram a mata portuguesa, na canícula deste Verão, bem como a perda de oito vidas de jovens bombeiros, na defesa da floresta.
Novamente, a comunicação social, explorou até à exaustão, a notícia objectiva, a subjectiva, as aflições, os sentimentos, os medos, a dor, a revolta, que envolveu as aparentemente intermináveis calamidades, na exploração demagógica, do infortúnio e do desânimo, de quem perdeu quase tudo ...
Os funerais, ao pormenor, "renderam" que se fartaram, nos telejornais ; as lágrimas dos pais e familiares, idem, as homenagens dos camaradas de profissão, também.
O Facebook, repleto de apelos de solidariedade, de divulgação, de partilhas, de angariação de ajudas, de rostos de cada um dos que partiram, com pormenores dispensáveis, das suas vidas pessoais, encheu páginas e páginas, murais e murais!
Claro que depois da floresta ser cinza e carvão, e a desolação se apossar dos "pulmões" do nosso país, inglória e impotentemente, ineficazmente por extemporâneo já ( pelo menos na circunstância ), iniciou-se então um alargado debate, do contraditório bombeiros-protecção civil, na assunção de responsabilidades, ou de gestão errada dos meios disponíveis, iniciou-se a responsabilização dos donos das matas, do próprio estado, detentor de matas próprias, pela negligência ( legislada, mas raramente fiscalizada, menos ainda punida ), da necessária limpeza dos terrenos, etc, etc, etc, vindo a terreiro o MAI, garantindo sérias e imediatas medidas preventivas, impeditórias de possível repetição de idênticas situações ...
E o país continuou a entreter-se ...
Na Madeira, as enxurradas arrastaram casas, monte abaixo, com prejuízo de vidas e de bens, em zonas, que toda a gente sabia, há muito, não terem capacidade de sustentabilidade das construções, e que também há muito, requeriam obras de reforço e resistência dos terrenos , logicamente obrigatórias e nunca efectuadas !
Os "urubus" dos media voltaram a aproveitar o "furo" jornalístico, em cima do infortúnio de cada um ... e o país também se foi entretendo ...
Agora levantou-se recorrentemente, a referência à utilização de amianto, em construções de edifícios públicos, numa dada época, no país.
Em escolas e edifícios que há longos anos albergavam e albergam serviços, e onde consequentemente "habitam" longas horas por dia, muitos e muitos indivíduos, continua a conviver-se com a presença dessa substância.
É sabido que o amianto é uma substância química, potenciadora de desenvolvimento de doenças oncológicas, em quem a ele está longamente exposto.
Anda por aí, na comunicação social, este assunto, por via de denúncia e queixa, de pessoas comprovadamente vítimas do mesmo.
Só nos últimos tempos, o estado resolveu pegar na questão, e fazer obras de reabilitação desses espaços, retirando a substância cancerígena.
Trabalhei mais de 36 anos, numa dessas escolas, construídas nessa época, sob "figurino" todo idêntico.
Consequentemente, a minha escola sempre teve amianto, e creio que ainda tem ( não estou certa, já que me afastei há quase 4 anos ), nos tectos dos pavilhões e nas coberturas dos passadiços.
Recordo claramente a estatística negra, dos colegas, empregados auxiliares, e mesmo alunos, que ao longo dos tempos, faleceram de facto, com cancro ...
Nessa altura, ainda as vozes não se tinham levantado, a comunicação social ainda não "pegara" na denúncia ...
Eles ... partiram. E foram muitos, objectivamente.
Se houve nexo de causalidade entre as suas mortes e a existência do amianto, não poderei garantir, contudo ...
E o país continua a entreter-se, enquanto dura, e é fresca, a notícia ...
"Casa roubada, trancas na porta" ... é algo mesmo muito nosso, muito português, de facto.
Somos um povo sereno, já dizia o outro ! Mesmo muito sereno !...
Afinal, a nossa realidade é tão desesperante neste momento, que se calhar é legítimo que nos entretenhamos com algumas "coisitas" !!!...
Anamar
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