quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

" VÃO-SE OS ANÉIS ... "



"Vão-se os anéis ... fiquem os dedos" - o povo diz ... disse sempre ao longo dos tempos.
Reflecte o desespero dos que, como solução final, deitam mão dos últimos valores que detêm, para honrarem compromissos, para taparem "buracos", para sobreviverem  à precariedade dos tempos.

Nunca neste país se viu, como se vê hoje, tantos espaços abertos, de comercialização de ouro e jóias, àqueles que  têm que os vender para sobreviverem  ( às vezes bens familiares, com valor afectivo profundo, jamais recuperável ).
É um claro sinal dos tempos, e da maré demolidora que nos fustiga.
Essas lojas  começaram a grassar, como cogumelos, exponencialmente, em proporção directa, à gravidade da crise que atravessamos.

Lembram-me "urubus" espiando a carniça, do alto das árvores da savana africana, esperando calmamente a sua oportunidade ...
E revolto-me, e nauseio-me, e enfureço-me !

Também, nunca no país se viu nascerem e proliferarem como actualmente, em ritmo ciclópico, as imobiliárias, entupidas de imóveis para vender ou alugar, num mercado que está praticamente estagnado.
É o desespero, é o último recurso, a última cartada, a última tentativa, de quem, acaba espoliado, talvez do único bem realmente valioso de que dispunha, e que não consegue segurar mais entre os dedos .

Quando as luzes se apagam totalmente, neste túnel apertado que são os nossos dias de hoje, quando as pessoas sentem que não têm mais saída nenhuma, para satisfazerem a prestação do empréstimo assumido, perante os bancos ( e que foram os próprios bancos que lhos ofereceram de bandeja ), numa esparrela sem tamanho, de benefícios  fáceis, estimulados até ao tutano, há tempos atrás ... o desnorte toma-nos conta, o desespero de animal acossado instala-se, a depressão da angústia de quem está perdido, acentua-se, as pessoas tomam as mais variadas decisões em relação às suas vidas, para tentarem resolvê-las ...

E totalmente desprotegidos e indefesos, são exactamente aqueles que lhes ofereceram as maravilhas do crédito fácil, que agora o vêm miseravelmente cobrar, como aves de rapina voando por cima das nossas cabeças ... porque "os bancos não são a Santa Casa da Misericórdia", como foi dito na minha cara, por um gestor de topo, de uma instituição bancária ...

É então que, enquanto se pode ... vão-se os anéis e ficam os dedos, esbraceja-se e luta-se contra marés alterosas, que sabemos nos sucumbirão, mais cedo ou mais tarde ... não tem jeito !!!...

Na macro-realidade do país, passa-se o mesmo.
Assumidos que foram compromissos que não teríamos condições de honrar, mesmo alienando-se bens ou valores,  com que se pudessem  realizar os "milhões" necessários, rapando o "fundo ao tacho", onde ainda se cheiravam restos quase inexistentes ... mesmo  virando do avesso os bolsos dos cidadãos  ( dos que já eram os mais desfavorecidos, entre os desfavorecidos socialmente ), tenta "reduzir-se a patacos", como dizia o meu pai, os últimos níqueis que tilintem ainda ... lança-se o ónus da solução sobre os mais sacrificados, silenciados e desprotegidos, e em última análise, põe-se o país à venda, leiloa-se, penhora-se, miseravelmente, despudoradamente, provocadoramente ...

Matam-se os que ainda resistem e se recusam a desistir, enlouquecem-se os que se sentem perdidos sem capacidade de resistência, tentam cavar-se moedas de ouro, em terrenos onde só há couves plantadas ... com a condição de sempre se preservar, de não se tocar, de não se afectarem, de uma forma que seria a justa, os que têm efectivamente potencial para, proporcionalmente às suas grandes fortunas, serem taxados de forma isenta e transparente.
E assim, não se acabam com os vergonhosos "lobbies" económicos, não se trava a corrupção e os compadrios, as trocas de favores e as fraudes ...
E continuam a fechar-se  os olhos, e a assobiar-se  para o ar, no que concerne aos "feudos" de individualidades, que parecem ter nascido para serem intocáveis ...

Em resumo ... ninguém tem "cojones" para meter a mão em "vespeiros", e dignificar a repartição de bens, e as condições de subsistência, neste país.

Tudo isto, a propósito de quê ?

Tudo isto a propósito de algo que me surpreendeu, me indignou, me revoltou, me enojou, e em relação ao qual, o cidadão comum deste país, não tem voz, e simplesmente não pode reagir, apenas lamentar : a alienação inescrupulosa e criminosa, de uma colecção de valor inestimável de obras de arte, os oitenta e cinco quadros de Miró, que são nossos por direito, que são uma propriedade portuguesa inalienável,  que são património deste chão e desta gente que somos todos nós, e que serão disseminados aleatoriamente, Mundo fora, em leilão, que deverá ocorrer em Londres.
Apenas, porque há que realizar a qualquer custo, mais uns tantos milhões de euros, para tapar mais um "buraco" das responsabilidades governamentais assumidas, perante quem tem Portugal, neste momento, debaixo  da pata !!!
Pobre país, mendigo dos estrategas da finança, e dos interesses políticos e económicos, de uma Europa que ajoelha uma vez mais, depois de 45, perante uma Alemanha fria, indiferente, gigantesca, ditatorial ...
Um polvo monumental, que estende os tentáculos, e sufoca indiferente e insensivelmente, os seus parceiros da Comunidade.

De  facto,  anéis  já  não  temos ... Veremos  até  quando  duram  os  dedos !!!...

Anamar

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