segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

" COMO QUEM SE CONFESSA ..."



Gostava de ter histórias lindas para contar.  Ou pelo menos, gostava de ter histórias que envolvessem os leitores, pelo interesse que despertassem.
Gostava de ter criatividade, para ficcionar um enredo gostoso de se ler, um percurso que levasse alguém infinito fora ...

Mas não.
Concluo que criatividade, tenho pouca, memórias interessantes que se reportem a épocas, vivências pessoais ou sociais, passadas e curiosas, também são limitadas,  e  as  que  me  ocorrem,  por  saudosismo ou  efeméride,  já  as  contei  ( se calhar,  vezes  sem  conta ... ).
E resta-me falar de mim, da realidade que tenho colada ao coração, impressa na alma, viajante no sangue !
Da minha vida, dos meus anseios, dos meus sonhos, das poucas concretizações, dos meus amores e desamores, das minhas dúvidas, dos meus medos, das minhas experiências de vida ... afinal, daquilo com que convivo diariamente, talvez pouco enriquecedor, seguramente entediante demais ...

E contudo, olhando para trás, a minha vida, a real, a própria, a que sei cá dentro, a de todos os dias, de há demasiados dias, sem esquemas, camuflagens ou maquilhagem ... aquela que só eu destrinço ao pormenor, o meu lado solar, mas também o meu lado lunar, como se costuma dizer, talvez desse um bom enredo de qualquer coisa ... de um filme, de um livro que não sei escrever, de uma história que não ouso narrar ...
A minha história !

Tenho, tive, uma vida estranha, complicada, muito marginal, que infracciona deliberadamente  regras,  preceitos,  conceitos tradicionais, socialmente determinados pela cultura judaico-cristã em que nascemos, fomos criados e ainda permanece vigente, com mais ou menos influência, queiramos ou não.
Tive e tenho uma forma de ser, de me posicionar, de me interpelar, de me questionar, de me guerrear, que tenho a certeza ( isto não é mérito nem demérito ... é simplemente assim !... ), é pouco comum às outras pessoas, que atravessam este mundo, este planeta nesta minha época, que são da minha faixa etária, com a minha formação tradicional ( aquela que recebi ), com vidas de "figurino" enquadradas e "correctas", com vidas que eu vejo muito passadas a "papel químico" ... mas que não as contestam, que as aceitam com passividade, sem se debaterem ou se lamentarem.
Sem pressas de andar, sem medos de que se lhes esgote o tempo disponível, sem ânsias de ver o que as espreita depois daquela volta de estrada, daquele alto de monte, sem correrem em direcção a horizontes que delas se afastam, por cada passo que dão em direcção a eles.

Eu, pareço aquele vulcão, aparentemente extinto, e que um dia surpreende o mundo, porque as línguas de fogo, se levantam nos céus, e o gigante, apenas adormecido, vomita as raivas e a turbulência, que afinal, silenciosamente, sempre continuara latente, a existir nas suas entranhas ...
As minhas "entranhas" também se agitam, o meu coração não dorme, o meu espírito não se aquieta.
Sinto quase sempre, ser um barril de pólvora, que contém, a duras penas, a força  potencialmente explosiva, guardada no seu interior.
A contenção do meu "avesso", é uma manobra treinada, calculada e cansativa, e por isso me deixa exaurida, frustrada, arrastada por aqui ...

Às vezes abrem-se fissuras, que colmato como posso, porque "dizem" que deve ser assim ...
Outras vezes, a panela de pressão ameaça não aguentar, a válvula de escape é obrigada a deixar vazar o excesso de turbulência ...
É então que abro lutas comigo mesma, e me pergunto por que é a minha vida assim ?
Por que vivo insatisfeita, desajustada, esgotada, enraivecida ... ou então, anestesiada, distante, indiferente, de indiferença sofrida ?
Por que não consigo alterar a minha forma de sentir, as minhas convicções sobre o que me rodeia ?
Vivo sob reclamação permanente, com destinatário desconhecido ...

Umas vezes sou uma criança, com uma ingenuidade invejável, outras, uma  adolescente , crédula e sonhadora, outras ainda, uma velha revoltada e sem sossego ...
Sou um mar encapelado, em constante preia-mar, de tempestade imprevisível, destruidora, raivosa, mortífera ...
Sou alguém que não cabe na carcaça que lhe enfiaram, e que tem que viver dramaticamente com ela ...
E por isso, sou um ser de desespero, desequilíbrio e desconforto permanentes ...
Invento vidas, porque esta não me gratifica.  Sonho histórias futuras em que acreditei, ou lembro passados mais ou menos distantes, porque o presente não me preenche.
Os meus dias são bolorentos, bafientos demais.
Cheiram a algo putrefacto, como se fosse num pântano que eu tivesse os pés.
Estou cansada, muito cansada, como alguém que madrugada alta não enxerga que caminho tomar, numa encruzilhada da  serra ...
Perdida, por isso, também.

Sozinha, muito sozinha, sem ninguém por perto, que fale a minha língua ...
Labirinticamente perdida e extenuada, sem descortinar o caminho de libertação.
Tudo igual, tudo demasiado igual, tudo demasiado cinzento, como a cor da borrasca que o céu nos exibe, e como a tempestade que as gaivotas nos prometem !
Sentada num banco da estação, à espera de um combóio que jamais passará ...

Não sei estar por aqui !  Sinto-me castigada por ter que estar por aqui !...

Subo ao penhasco e olho o mar.  É a sua lonjura a perder de vista que me aquieta ;  É o azul de um céu diáfano que me aquece ;  É o voo da gaivota, do albatroz, ou da águia nos picos do monte, que me transporta e me acena liberdade lá longe ... sonho, lá longe ... fé em algo, lá longe ... alguma salvação ainda, lá longe !...
Como se eu acreditasse nisso, e respirando-o, me deixasse envolver por paz ...

Apenas tudo tão longe, que estou certa, jamais chegarei lá !!!...

Anamar

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