Os dias são o que deles fazemos ...
Os dias são o que neles vivemos ... Vivemos ou "vivêmos" ... p'ra se perceber melhor ...
Já gostei muito dos sábados !!! Eram o meu dia sonhado e inventado, nos sete que desfilam na semana.
Era o dia esperado, criado e recriado nas asas da imaginação. Mesmo que fossem sábados como hoje ... ou melhor, sobretudo se fossem sábados como hoje, de cara feia, cenho carregado, de escuridão, vento e chuva, distribuídos por quem gere estas coisas ...
Eram sábados com história ... muitas histórias ! Eram sábados de sala iluminada, de vamos ali e voltamos ... golas levantadas já, sábados de correr à chuva em chapéu dividido, com as gotas trazidas nas rajadas do vento a molharem a meia de licra ( comprometendo a exigência da toilette ), empoleirada nos saltos altos em harmonia.
Eram sábados com vozes, conversas, risos e gargalhadas. Sábados aquecidos no tinto de copo de pé alto, adoçados na cremosidade do chocolate, brindados no cálice de Limoncello ...
Olhares cúmplices e segredos trocados. Eram sábados com alma. Eram sábados com vida !
E um calor que trepava, amarinhava, e envolvia ... Capaz de trazer à vida, alguém que partiu ...
Não era esta coisa de silêncio a esfumar-se entre as quatro paredes ... sempre só as quatro paredes .
Não era este abandono gélido que me perfura até às entranhas. Este som que não ecoa, estas palavras que não são ditas ... porque não há quem diga palavras, por aqui ...
Não era este frio que atravessa as vidraças, pela ausência de sonho, e me tolhe, me limita, me amarfanha ...
Não era esta ausência de tudo, mas sobretudo da esperança.
Não era o saber-me viva, apenas porque respiro ... ainda !
Não era o mitigar-me com os farrapos das nuvens, olhando o céu que se redesenha a cada golpe de vento. Como se a faxina do firmamento pudesse soprar-me para longe, este peso de nuvem negra sem arco-íris !...
E anoiteceu. Anoiteceu abruptamente ... insensivelmente ...
E tanto sábado que eu tinha então, ainda p'la frente ... e tão pouco sábado que tenho hoje, entre os dedos ...
Ainda "cheiro" os sábados, porque cada hora era uma hora de ser. Cada hora tinha uma batida diferente do coração, e um sorriso específico nos lábios.
Havia os de sol, que eram dourados, só dourados, e havia os de chuva e escuridão que eram doces, apenas doces ...
E eu, era aquela ... de então. Não esta de hoje, sem identidade definida, vazia, amorfa, indiferente.
Sonâmbula na vida, distante, esquecida ... cansada !
Oiço o grasnido da minha gaivota já perdido no cinzento fechado, aqui por cima. As asas estendidas e o peito à aragem, levam-na por círculos longínquos, adormentados, para bem longe da minha janela.
O horizonte limita-me a vista e tolhe-me o pensamento ...
Por que raio ainda existem sábados, nas semanas ?!...
Anamar
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