Começou Novembro.
Novembro, aquele mês com que não convivo pacificamente, no elenco dos doze, com que cada ano nos brinda ! E ironicamente, ou talvez não, nasci nele !
O que é um facto é que, com ou sem S. Martinho, com mais ou menos sol a brincar de Verão ... quando Novembro chega, o cheiro a Outono instala-se definitivamente, e o castanho, os laranjas e os amarelos queimados, pintalgam tudo por aí.
Os dias parecem deitar-se para a sesta, num remanso aconchegante que convida a toca. O ar adocica, amodorra, o tempo recolhe, preparando a hibernação que se aproxima ...
As árvores despem-se ; os parques atapetam as suas alamedas com folhas adormecidas, e há uma incontestada sonolência, na alma de todos os seres vivos ...
Até os pássaros emudecem, e os silêncios descem à Terra !
E havia aquela casa junto ao lago...
A bordejar-lhe as margens, os canaviais baloiçavam preguiçosos, perante a aragem que começava a refrescar.
Bem perto, a floresta de coníferas, de castanheiros, de plátanos, de zimbros , bétulas, carvalhos e olmos, começava a subir e a adensar-se. As bagas, que aprovisionariam as "despensas" de esquilos, martas, arminhos, lemingues e outros ... adornavam os caules. Os cogumelos amontoavam-se na sombra do arvoredo, e a quietude pairava ...
As luzernas dos raios de sol que até há pouco lhe rasgavam ainda as entranhas, já não se definiam como antes. Sem dúvida o sol andava bem mais baixo !
Os líquenes e os musgos revestiam troncos que em permanência viviam na penumbra. As formações dos gansos selvagens em migração para o sul, eram esquadras aladas, cortando os céus, com determinação e objectividade !...
Toda esta paz e serenidade, era o que de bom Novembro trazia ...
O barco, com os remos esquecidos, indolente, baloiçava imperceptivelmente na amarra de corda que o sujeitava à margem. Também ele parecia dormitar ...
E percorria-se a mata, de cesta no braço, de cachecol ao pescoço, botas nos pés, embiocados já, numa meiinha de lã.
E eram de mitilos, de amoras, de zimbros, de medronhos, de groselhas, framboesas ou arandos ... de toda a panóplia de frutos vermelhos ... mas também de maçãs, de avelãs, de castanhas e nozes ... a profusão das compotas a encherem a despensa, a doçura das geleias a confortar os corpos, o calor dos licores, a aquecer os espíritos ...
ao serão, quando já sabia bem cutucar as brasas, assar as castanhas no borralho, e ouvir histórias antigas, que saltitavam entre gerações !
Novembro era a luz que diminuía, e se coava, eram os lobos, os alces e os ursos, lá mais longe, que se adivinhavam na montanha.
Eles apareceriam, quando o manto branco cobrisse finalmente tudo !
Até lá, só os sons tão conhecidos, nos chegavam, pelas madrugadas e pelas noites de breu, iluminadas às vezes pela luz da lua !
Deve lá estar, a cabana de madeira ! Aposto que ainda sai fumo daquela chaminé ! Aposto que a pele de rena ainda jaz no sofá, frente à lareira ! Aposto que as hastes do alce, por cima da porta, continuam a proteger a habitação !... Aposto que os patos bravos e os gansos selvagens cortam os céus com o seu grasnido ... E que também o uivo do lobo ecoa desde a montanha ...
O barco dormido, baloiça na água ... e todas as bagas de todos os arbustos eclodirão, e rechearão todas as tartes imaginadas ...
Aposto !... Aposto, porque "vejo" daqui ... Aposto, porque sonho, e o sonho é livre !!!
Lá ... era assim, a doçura de Novembro !!!...
Anamar
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