terça-feira, 17 de abril de 2018

" AS PERDAS "



Estranho tempo este em que pareço ter perdido o rumo e desconheço o norte !
Estranhos dias estes em que um vazio instalado me gela por dentro e me sufoca o coração.  Lágrimas secas que apenas sangram para dentro, deixam-me numa letargia esquisita de ser hibernante que recusa abrir os olhos aos primeiros raios de sol que deveriam conferir-lhe a vida do recomeço.
O sono é o único bem estar que me aquece a alma.  Um sono profundo de um silêncio que me anestesiasse de tudo o que me cerca e que pareço desconhecer, seria o desejável ...

Sei que talvez tudo seja normal, compreensível, aceitável.
Será por certo assim com todos os seres humanos, quando de repente a vida parece suspender-se numa qualquer esquina, as cores empalidecem e parece não se justificar ou entender a razão de se continuar ...
Sei que a racionalidade me aponta o bom senso dos factos, me explica a paz misericordiosa do desfecho.
A racionalidade sim, e até mesmo o meu desejo, quando pragmatizo e esfrio a mente, me apontavam há tempo demais, para a saída final e digna para a minha mãe.  A única, decente, que o destino lhe deveria oferecer : a sua partida mansa, sem sustos ou angústias.
E isso, acredito que terá acontecido.
Pelo menos a vida ter-lhe -á feito justiça !

Eu continuo na guerra sem tréguas entre a logicidade dos factos, a adequação dos mesmos, a objectividade de tudo o que não tem mais discussão ou retrocesso, numa ressaca sem tamanho, e aquela que eu sou, bem no meio de mim mesma.
Uma luta perdida, sem apelo, entre a cabeça e o coração ... e no meio de tudo isto, a orfandade que sinto, a saudade do bem vivido e partilhado, o desânimo sem remédio,  o buraco no peito ...
Deve ser normal tudo isto, seguramente ...
Mas dói.
As perdas inevitáveis dos nossos percursos, empobrecem-nos dolorosamente, deixam-nos à deriva como barco cansado em meio do temporal, deixam-nos entontecidos, como mariposas  perto da luz, deixam-nos como caminheiro sem farol ou bússola, em céu sem lua ...

Tantas perdas têm as vidas ... Tantas ironias preparadas pelo destino ... Tantos becos sem saídas satisfatórias ... Tantas estradas sem alternância credível ...
E vamos nadando como náufragos, na urgência de nos mantermos à tona.  Vamos tapando e destapando daqui e dali, a manta de retalhos em que se nos transforma a alma.

Lido muito mal com as perdas.  As perdas que me têm recheado a vida.  Acho-as contra-natura, como qualquer amputação imposta.  Perdas de gente morta, mas também perdas de gente viva.
Repito ... será por certo assim com todos os seres humanos.
Contudo, ainda acho que cada um vivenciará o que se lhe depara, de forma diversa, de acordo com muitos factores, características e capacidades.
Eu fico perdida, confusa, num estado de catalepsia que me paralisa, e me retira aquela força anímica que nos põe em pé por cada dia, como numa vida com ausência de objectivos, horizontes ou sonhos ...
Eu fico exaurida, esgotada, numa letargia de bicho embiocado na toca, numa escuridão de cerração que desce sobre a Terra, numa lassidão de ave ferida que não levanta voo ...

Estranho tempo este ... estranhos dias estes em que o cansaço é a nota dominante, e o cinzento a cor que pinta as minhas horas ...

Anamar

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