quinta-feira, 22 de novembro de 2018

" RETRATO "




E Sintra cheirava a terra molhada.
Não que chovesse, mas já chovera, seguramente.  Aquela humidade e aquele friozinho que emanam do chão, que amarinham da mata, que trepam as árvores, que cobrem os muros, são incomparáveis.  São marca, são imagem, são registo.
Sintra só é comparável a Sintra !...

Um sol fraquinho espreitava de quando em vez, através de nuvens encasteladas, umas vezes com ar ameaçador, outras com uma bonomia contemporizadora.  Frio a sério não se sentia.
Mas aquela doçura própria de um Outono já avançado, não deixava dúvidas ... a estação  vai  adiantada !
Os muros verdejavam com os musgos atrevidos, os troncos ajeitavam em si as heras trepadeiras, as hortênsias podadas na hora certa, jaziam junto aos jardins, aguardando a remoção.
As folhas tombadas, nos ocres, amarelos, castanhos ou vermelhos, atapetavam e afofavam as veredas.
Os passos ecoavam no estalido da gravilha ...
As casas exibiam a sua aristocracia própria.  A ancestralidade que lhes confere pose e dignidade, impõe-se.  E há silêncio.  Apesar de tudo, Sintra continua a ter remansos de silêncio.  Lugares de intimismo.  Espaços de interioridade ... Nichos de reencontro.  Reencontro com nós mesmos e reencontro com as nossas linguagens da alma e do coração ... Clareiras de conforto ...

Sempre a vejo com olhos de gratidão.  Sempre a sinto como ninho embalador.  Nela sempre busco o calor de uma história ... a minha, que se foi escrevendo episódio a episódio, por bocas e palavras diversas, ao longo dos tempos !

A Pena e o Castelo empoleiravam-se na mansidão do contra-luz que descia.
E havia uma aguarela pintada naquele caixilho de moldura.  E havia por ali, pairantes, lugares, emoções e sentidos.
Lugares etéreos, muito próximos da eternidade.  Sonhos sonhados, extintos ou não, dependurados dos castanheiros do caminho.  Desejos refreados que circulam nas veias, p'ra cima e p'ra baixo, sem contenção ou limite.  Memórias indeléveis desenhadas em cada esquina, impressas na pele e na alma ...

Sintra, para mim é tudo isto.
E juro que tudo isto, nela vi ...
Retrato de  mulher espreguiçada nos tempos, adormecida no alcandorado da serra, embalada no gorgolejar dos riachos, acariciada  pela brisa perpassante, envolvida na bruma sombria dos penhascos ... coroada por aquela lua cheia que espreita gloriosa, no breu da noite ...
Xentra, Cynthia ou Suntria ... lenda, mistério, silêncio e magia ...
Ou ... simplesmente SINTRA, mítica e mística ... numa tarde de Outono !...

Anamar

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