quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

" A PROPÓSITO ... "






O sol acabou de descer no meu horizonte visual  lá longe onde os prédios o desenham, como uma bola de fogo bem iluminada, num laranja aceso de fim de tarde.
Os dias azulam, são claros e luminosos, como se a Primavera já por aqui estivesse.  Do que me lembro, e não sei porquê, sempre Fevereiro assim nos surpreende.
Entretanto no Havai, os ventos sopram a 300 quilómetros por hora, e há neve nos pontos altos. Manifestações de uma Natureza zangada com o Homem, que a manipula e destrói.

Os pássaros, mal a primeira luz da manhã se anuncia, começam os gorjeios de acasalamento no plátano das minhas traseiras.  Oiço-os no silêncio do meu quarto, quando os olhos ainda não se me fizeram ao dia que começa.  É altura da construção ou reparação dos ninhos.  Daqui a pouco começam as posturas, e depois ... o ciclo da vida retoma a marcha.
Dizem-me que já há andorinhas por aí.  O Alentejo tem os postes de alta tensão, ponteados de cegonhas, em ninhos que não chegaram a abandonar, uma vez que as alterações climatéricas parecem não justificar já, a debandada  para outras paragens.
As mimosas douram as ramagens, os folhados breve se encherão dos pequenos bouquets brancos que os adornam generosamente e as azedas cobrem os campos de um amarelo claro e luminoso repleto de vida !

Amanhã é uma vez mais  no calendário recente, dia de S.Valentim.  Dia do amor, da paixão, dos sentimentos exacerbadamente valorizados, numa manobra de marketing consumista, importada artificialmente das estranjas.
O vermelho impera, associado ao calor de fogueiras afectivas e emocionais, como se os sentimentos se medissem por termómetros coloridos.  Os corações, as rosas vermelhas, as roupas íntimas sugestivamente escarlates também, com pormenores de tapa-destapa eróticos ... as caixas de chocolates afrodisíacos, são as peças de um puzzle que tenta vigorar pelo menos pelas vinte e quatro horas que completam o dia catorze de Fevereiro de cada ano ... São acendalhas de uma fogueira que se assopra, no desejo de que o desejo se acenda, custe o que custar ... Só porque sim !!!

Entretanto a violência entre as pessoas, dispara.  As estatísticas denunciam números assustadores de mulheres vítimas, por cada dia que passa.  Provavelmente de homens também.  De crianças, apanhadas no fogo cruzado de relações que se desfazem ... seguramente ...
Essas, nem chegam a entender o porquê ...
E há também a violência psicológica, mais fria e cortante que a física.  Existe no silêncio, funciona na chantagem, na manipulação, na ameaça ... grassa na miséria, na submissão e no medo.  Quando as alternativas de vida escasseiam ...
Alberga o ódio, semeia a solidão e a dor.
É cirúrgica, matreira, falsa, desapercebida ... quase sem rosto ...
Coexiste com o desamor. É cinza de brasas apagadas.  É desmantelo de derrocadas moribundas.
Destrói e mata.

E amanhã, lamentavelmente, é mais um dia de fazer de conta.  Como se os sentimentos nos caíssem no coração, por decreto. Como se a nossa alma se engalanasse, só porque a página do calendário o decidiu ...

Os amores são muitos.
Os verdadeiros, os reais, os sentidos, os que  tocam a sério as fímbrias do nosso ser não carecem de hipocrisias ou justificações vazias, para existirem.  Não precisam de se exibir socialmente. Não têm mês, dia ou hora para ser.  Simplesmente, são ... porque são autênticos, indeléveis e eternos.
Não necessitam de tradução, porque quem os vive tem códigos de entendimento.
Não precisam ser ditos, porque se vêem no olhar e porque se denunciam no calor das palavras que escorrem.
São amores com história.  Aquela que se nos escreveu no peito e que as marés não apagam, porque foram cinzelados a fogo "ad eternum".
São únicos, exclusivos ... raros e um privilégio quando nos acontecem nas vidas !

Bom... sinto-me amarga.  Noto-me em desencanto.
Há largos meses que não escrevo um poema.  E eu gostava de fazer poesia ...
Talvez ela não povoe mesmo já, a minha vida !...

Anamar

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