sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

" ELES ... "




Eles vivem connosco.  Porque nós o quisemos, não que eles se tivessem imposto.
Eles dividem o nosso espaço, partilham-nos as preocupações, escutam-nos os silêncios, acarinham-nos.
Eles olham-nos nos olhos, mesmo quando mais ninguém nos olha nos olhos.  E "conversam" ... dizem-me  tantas coisas ... ao seu modo ...
Eles  buscam-nos  o  colo e o calor, quando  os  filhos  já  o  deixaram, há  muito, e  foram  às vidas ...
E também já me secaram as lágrimas, ou lhes tomaram o sal quando elas escorriam rosto abaixo ...
Esperam-me na porta, quando na fechadura a chave me anuncia.  E não me perguntam de onde ... e porquê ficaram ali, sós.  Esperam-me simplesmente.  E "sorriem" ... ou quase sorriem ...
Ouvem a minha música, partilham do meu sol.  Aceitam as minhas festas, ou os meus ralhetes mal humorados, em dias menos fáceis ...

Eles são os nossos companheiros de percurso.  São os seres que apelidamos, injustamente, de irracionais e com quem dividimos a vida.
Não pedem, não reclamam, não reivindicam.  Têm a generosidade que muitos humanos não têm.
São extensão da nossa família.  Ou pelo menos, devê-lo-iam ser ... sempre !

Já conheci alguns, ao longo dos anos.
As suas histórias cruzaram-se com a minha, até que o destino lhes pôs um ponto final.
Até hoje a sua ausência me aperta o coração.  De todos guardo momentos, ocasiões, memórias ... sempre gratificantes, sempre felizes ... eternas.

É uma angústia quando adoecem.  Não se queixam.  Percebemos que não estão bem pelos sinais que vão deixando, se os soubermos olhar.  São discretos.  Buscam muitas vezes o isolamento.  Escolhem um lugar silencioso e tranquilo para se aninharem, por forma a não perturbarem.
Até na morte têm dignidade.  Uma imensa dignidade !
Foi assim com o Óscar, a Rita, o Nico, o Gaspar ... e todos os outros que passaram por mim.

A sociedade, infelizmente, ainda desprotege brutalmente os nossos bichos.
Como tratá-los como merecem, com os valores astronómicos que nos são exigidos, por cuidados de saúde, por acompanhamento médico, pela simples alimentação ?!...
Mas como negar-lhes também, esses mesmos direitos ?!
A responsabilidade que sobre eles nos cabe, o amor que lhes devotamos e o respeito que lhes é devido, impõem-se-nos.  Afinal eles são, como dizia ... extensão da nossa família !

Fui impelida a escrever este texto, que na verdade  de novo nada traz , ao regressar com o Chico, de mais uma consulta na Faculdade de Medicina Veterinária.  Exames inconclusivos, diagnósticos generalistas ... pode não ser nada ... pode ser tudo ... mais um exame a ser feito ... duzentos euros, o valor ... quando mais do que isso já foi gasto ...
E pergunto-me : "Como poderão tantas pessoas de recursos precários, encarar uma situação destas ?  Como poderão tantos idosos de parcas possibilidades financeiras, acorrer ao tratamento do seu amigo de fim de linha ?...  Às vezes, o único que lhes ficou !... "

Instituições quase sempre a viverem exclusivamente de voluntariado, de ajudas beneméritas de particulares ... gente anónima que por amor e carolice, nas ruas, apoia, protege e defende como pode, são as únicas estruturas que, com todas as dificuldades e carências que conhecemos, ainda vão dando a resposta possível à realidade que nos rodeia.
Partidos políticos ( ridiculamente preocupados com provérbios ... ), talvez devessem tentar implementar uma política real de apoio na saúde, aos companheiros que connosco dividem as vidas.
Isso sim, seria legitimar os seus direitos.

Afinal, eles estão desde sempre, connosco,  no Planeta Terra !...

Anamar

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