sexta-feira, 24 de julho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Um outro dia





Hoje chegou até mim este vídeo enviado por uma amiga, que não sendo alentejana, sabe que eu o sou.  Sabe do amor que nutro pelo meu chão, da nostalgia com que as suas memórias me atravancam o coração ... e de como qualquer pequeno sinal se transforma numa ponte de acesso em pretexto de mitigar saudades.

Atravessamos tempos difíceis.  Tempos de angústias e solidão.  Tempos de incertezas e de horizontes nublados.
Atravessamos tempos de cansaços e de exaustão.  Tempos de parecer não valer a pena, em que as forças faltam, e a fé em futuros menos nublados parece estar a anos-luz do nosso dia a dia ...
A resistência física está a ir-se.  Sente-se claramente, ou um desinvestimento em sonhos, projectos, envolvimentos futuros que quase já não subscrevemos ... ou simplesmente tanto  faz que corra para baixo ou para cima, numa inércia e num desinteresse notórios.
Eu já não acompanho notícias, números, discussões, opiniões, questiúnculas, trocas de galhardetes em praça pública entre esferas e estruturas com responsabilidades ... nem nacionais nem internacionais, todos tentando contabilizar dividendos da coisa ... pela simples razão de ter atingido um grau de saturação que me opaciza a realidade que me envolve.
Se fosse brasileira, diria que "não tenho mais saco" pra nada !

Entretanto o tempo atmosférico carregou sem piedade.  Sei que o mês é Julho.  Sei que estamos no pino do Verão, mas as temperaturas que se fazem sentir, para quem passa a maior parte do dia e dos dias entre quatro paredes, são penosas e destruidoras.
Trinta e cinco graus na cozinha, ambiente de sauna dia após dia após noite, em que se reduz a indumentária ao mínimo dos mínimos, em que não se dorme ... vai-se ali à cama estender o esqueleto e tentar que o sono nos abrigue em braços de esquecimento ... em que a almofada se encharca, em que a luz se coa e fica quase noite o dia inteiro, para vedar com os estores a intromissão dos raios solares pela casa adentro ... reduzem até os mais resilientes e optimistas a uns vermes sonolentos ... 😄😄😄 
Pelo menos é assim que me sinto !!!

Um destes dias resolvi ir espreitar Lisboa "amordaçada" ... Queria ver como é o rosto da cidade agonizante, amputada do brouhaha que a mantém viva e a torna uma das metrópoles mais belas do mundo !
Queria testemunhar esta Lisboa Covid 19 ...
Era um domingo ensolarado e quente, de um Verão que não deixa os pregaminhos por mãos alheias.  Os jacarandás, já adormecidos numa modorrência de fim de floração, pareciam deprimidos,  com as últimas lágrimas lilases pingando das ramagens.
Sentiam-se decepcionados ... Afinal, engalanaram os céus da cidade para tão poucos olhos os admirarem ...
Lisboa mascarava-se de máscara e viseira na pressa corrida dos veraneantes que se atreviam.
Lisboa que sempre se travestiu de uma multitude de rostos, linguagens, cores, numa promiscuidade de dialectos, raças e géneros ... num universalismo de capital desta Europa de sul, em liberdade assumida, silenciou e ensombrou do Rossio ao Chiado, da Avenida aos Restauradores, numa Baixa mais sozinha e entristecida do que algum dia a vimos.
Lisboa está triste.  Perdeu a alegria da sua gaiatice de menina-mulher !...
É afinal uma cidade fantasmagórica, solitária ... descaracterizada, que aprisiona consigo as suas gentes que a não percebem, reconhecem, ou identificam ...

E assim a vida segue.  Uma vida com toda a estranheza do mundo, em que todos nos sentimos mal na pele que vestimos, em que lá fora se perdeu na curva do tempo, tudo o que deixámos há escassos meses apenas.  Tudo o que eram as referências norteadoras do nosso existir !  Tudo o que redigiu palavra por palavra, frase por frase, a história de cada um de nós !...
Saudades do meu Alentejo !  Saudades de uma boa açorda de coentros e alhos, degustada na sombra generosa da parreira que ensombrava o quintal da nossa infância ...
Saudades , saudades ... saudades !...
























LISBOA  DESAPARECIDA  -  JULHO  DE  2020

Anamar

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