sábado, 4 de julho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - continuamos por aqui ...





Hoje ... foi só mais um dia ! Daqueles ... sem horizonte ou sonho !
Estou melancólica, triste, nem sei mesmo se angustiada. Fisicamente não estou bem, dentes a atormentarem-me e noites muito mal dormidas há tempo de mais.

O Facebook trouxe até mim uma memória de há dois anos, uma vivência inesquecível num lugar de privilégio, quando os tempos eram leves e luminosos. Quando seria impensável, sequer conjecturável nos nossos espíritos, o que viria a invadir e a detonar a paz das nossas vidas, dois anos depois ...
Até por isso mesmo, cada vez mais se deverá valorizar cada momento, cada instante ... o hoje ... porque o ontem já vivemos e do amanhã nada sabemos. E a vida, matreira e madrasta, não se coíbe de nos dar um nó nos planos, nos projectos e nos sonhos que mais abraçamos !
Nunca nada está garantido, nunca nada é certo ... Até o alvorecer de cada dia sempre nos pode surpreender com uma borrasca insensível, em vez da manhã rósea e clareada, a anunciar um puro céu azul !...

Decidi partilhar convosco o texto que escrevi então ... porque enquanto o leio ( e voltei a lê-lo incontáveis vezes ), transporto-me para além das nuvens, para além do sonho ... para além do tempo ... duma forma tão vívida e presente, penetrando de novo a antecâmara do paraíso, com que a Ilha do Príncipe recebe quem a visita ...
E que infinitas saudades desse Verão de 2018 !!!



PORQUE  TUDO  TERMINA ...

"CRÓNICAS  DE  VIAGEM -  FIM  DE  FESTA ... "

Detesto despedidas, partidas, portas fechadas, janelas cerradas ...

E hoje é véspera de partida.

O Príncipe ficará exactamente como é e será, ao longo das eras : selvagem, doce, estonteante na beleza com que se veste, emocionante na simplicidade com que acolhe.
Os rochedos de basalto duro, apenas se irão desgastar mais e mais, e novos retoques na orografia surgirão, no preenchimento das faltas.
As areias continuarão dançando, vergadas ao sabor das marés ... para cá e para lá, incessantes ...
A floresta morre e renasce.  Por cada dia, novas flores, novos frutos, novas árvores nascerão e morrerão sob um sol de equador que mais acarinha, que castiga.
Os coqueiros da beira da praia, como anciãos cansados, dobram-se lentamente  até beijarem as águas.  E um dia, desistentes, irão com elas mundo fora, contar histórias para o outro lado da Terra !
Os pássaros também cumprirão os seus desígnios.  Sem dúvidas ou perguntas.  Apenas, cumprindo-os.  Ano após ano, enquanto for ...
O mar será manso ou encrespado.  Continuará azul, verde ou prateado, consoante o céu se adorne e as nuvens viajantes ou adormecidas, o determinem ...
O sol fará as negaças de um amante que ora se dá, ora se ausenta, sempre embevecido ... e a chuva tropical, quente e forte, abençoará a terra úbere e parideira ... E sempre será certa, quando a gravana passar ...
As luas que se sucedem, tornarão em dia as noites silenciosas e escuras, onde o ponteado estelar é um bordado de pé de flor, a desenhar os céus ...
As crianças crescerão, mas continuarão a sorrir.  E novos meninos encherão os terreiros, sob o coqueiral e no chapinhar dos charcos. ... 
E estarão descalços, rotos, sujos e ranhosos ... mas continuarão com alma de meninos ...

Vou partir.

Amanhã, o Príncipe ficará para trás na cauda do avião de hélice que me vai levar, na esteira do barco da saudade já, que deixarei no mar ...

Detesto despedidas, partidas, portas fechadas, janelas cerradas ...
Não sei se algum dia volto.  A vida, crepuscular, poderá ou não permiti-lo.
Mas os pores de sol que bebi por cada dia que o vi deitar lá longe na linha do horizonte, rendida à magia e ao fascínio de uma África genuína, pura e autêntica ...
As carícias a que rendi o meu corpo nu, nas águas quentes, doces e mansas, como nos braços do homem que é só nosso e a quem nos entregamos na volúpia do abandono ...
Os cheiros fortes, penetrantes e únicos que devassam e grudam na pele, no corpo inteiro e na alma ...

... todos esses ficarão para sempre na caixinha das emoções, no recôndito de mim mesma, em mim tactuados com as cores e o sal desta terra única !
Ficarão afinal, na eternidade da curta e precária temporalidade humana !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

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