Quando as galinhas tinham dentes, os cães se chamavam "Leões" ou "Pilotos" e os gatos "Tarecos", já eu andava por aqui.
Isto poderia ser o início de uma linda história infantil ...
Era quando o "coelhinho ia com o Pai Natal e o palhaço, no combóio, ao circo " e o Topo Gigio chegava de mansinho e corria com o pessoal para a caminha, com promessas de "amanhã voltarem a ver a tv como você" ...
Mas isso foi antes, bem antes.
O monstro das bolachas, o sapo Cocas, a Miss Piggy, o Egas e o Becas ou o Poupas Amarelo, o Professor Baltazar ... a Pipi das Meias Altas, o Vitinho, ou mesmo o Sítio do Pica-pau Amarelo com a maternal D.Benta e a Narizinho mais a sua boneca-gente Emília, enterneciam os pequenos ... e não só !...
Companheiros de tantas refeições distraídas ... forma certeira de lá ir mais uma colher de papa ...
Mas muito mais antes ainda, o Skippy e o Flipper ou mesmo a Lassie e as suas aventuras de cadela quase humana, colavam-me ao écran ...
Tempos em que, a Família Cartwrigth avançava écran adentro, nos seus garbosos alazões, com promessas de mais histórias e aventuras dos quatro irmãos e o pai, ao som do tema musical que ninguém da minha geração, de certeza esqueceu ...
A Casa na Pradaria, a Família Robinson ... o Dallas, tempos depois ...
Muito depois do Professor Vitorino Nemésio, com a sua voz nasalada, nos falar de cultura e desse mundo, onde se dizia já, velho... Isto, depois de, enquanto se lembrasse, nos falar sobre a sua terra, os Açores, e do mau tempo naquele canal, entre Pico e Faial, num emblemático romance vivido na segunda década do século XX ...
Lia-se muito então. Os Cinco, os Sete, Os desastres da Sofia, As Meninas Exemplares, Céu Aberto, Em pleno Azul, Grichka e o seu urso ... as aventuras de Tom Sawyer e Hucleberry Finn integravam, entre outros, o meu imaginário.
Depois da história avançar, seria a vez da panóplia de escolha se alargar ainda mais, e a colecção da Disney ( com todos os conhecidos e imortais clássicos ), da Anita, da Patrícia, da Carlota, da Lilybeth, a banda desenhada com o Donald, o Patinhas, o escuteiro Mirim, o Pateta, o Cebolinha e os Irmãos Metralha entre outros, fariam as delícias da geração pré- electrónica.
Anthimio de Azevedo trazia-nos sacramentalmente, o tempo, esse, o que a meteorologia nos ofereceria no dia seguinte ... sem demais preocupações, porque os Verões eram mesmo Verões, os Invernos eram mesmo Invernos, e afinal, quase sempre o resultado saía furado.
Sousa Veloso também se ouvia e via, prazerosamente ... Tudo o que nos remetia para o meio rural e nos transportava às origens, integrava o interesse de muitos.
O Festival da Canção, era um "acontecimento" muito, muito especial e desejado ... Obrigava à reserva de disponibilidade total, jantar terminado, silêncio respeitado na sala ...
Não era difícil, porque as solicitações então, eram poucas. A vida corria pacata e sem demais afobações, e as votações no final sempre nos deixavam a curiosidade espicaçada.
Depois, era aquela coisa de destino ... os últimos lugares na Eurovisão sempre nos assaltavam a sorte !
E tudo nos chegava através daquela caixa mágica, daquele inestético "trambolho", pousado na prateleira da estante. Caixa onde tudo corria entre o branco, o preto e o cinzento. Onde Isabel Wolmar sorria, com presença sóbria. Sorria, e sorria para o meu pai, que garantia ( acenando-lhe ), que "aquela menina se estava a rir para ele" !
O Natal trazia-nos "obrigatoriamente" a "Música no Coração", em que a Família Von Trapp nos emocionava e nos enternecia sempre, com a intensidade de uma primeira vez, mesmo que desfrutássemos do filme pela quarta ou quinta ...
O Doutor Jivago, havia de ser outro marco na sétima arte, que nos gratificava o espírito !
Também o visualizei uma meia dúzia de vezes, perdendo-me na beleza das imagens, na emoção da história, no emaravilhamento do imortal Tema de Lara ... e nos rostos fantásticos e expressivos de Omar Sharif, Julie Christie e Geraldine Chaplin.
O Natal também nos trazia as imagens doídas de histórias, emoções e relatos de saudade e mágoa ... mas também de esperança. Esperança por um fim que algum dia chegaria ...
"Adeus, até ao meu regresso"... era inevitavelmente o epílogo das saudações familiares trazidas lá de tão longe, de uma África a ferro e fogo ... sangrante e esfacelada ...
A Páscoa chegava e Ben-Hur, Quo Vadis, Os dez Mandamentos, A paixão de Cristo
preenchiam-me as tardes ociosas de férias começadas. Filmes longos, rendiam, na desocupação do tempo ocioso de dias sem obrigações.
E apesar de, de ano para ano reincidirem, era como se os víssemos pela primeira vez.
Páscoa era também amêndoas de licor em formas e cores sugestivas. Parece que ainda as saboreio !
Páscoa era família presente, eram campos verdes do Alentejo, eram rituais ancestrais a repetirem-se ...
Era aquela segurança e paz que nos aquecia a alma e nos fazia sorrir no coração ...
Páscoa também viria a ser a Beira, com visita pascal, com mais campos verdes, com bicicletas, chanfana, bolo doce ... Desta feita com as "pestinhas" a tiracolo ...
Bom ... não sei por que hoje acordei assim, nostálgica, mansa por dentro, saudosa ... com olho molhado.
Não sei por que um arrebatamento de saudades de tudo e todos, me tomou até à fímbria do meu ser.
Ou talvez saiba ...
Ontem a Teresa, nos seus três anos, sentada nas minhas pernas, esmiuçava-me a fisionomia. Tocava com as mãos pequeninas ... as minhas mãos grandes e pregueadas, tentando esclarecer o que via. Dizia-me, na sua inocência infantil : "Avó, tens as mãos assim, porque já és velhinha. Mas não te preocupes, porque depois vais para a lua. "
Perguntei-lhe o porquê da lua, imaginando eu que me caberia uma estrelinha, nas tantas que no firmamento escuro, já têm rosto e nome ...
"Porque a lua é maior, tem mais luz ... e lá, está a Bi !"
Pronto, percebi e logo ali aceitei a coisa, pois eu sei que não poderei vir a ficar em melhor companhia !...
Anamar
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