sábado, 21 de agosto de 2021

" UM COLAR DE MEMÓRIAS "...



Hoje pus um colar.  Um colar que adormecia há anos e anos na escuridão da gaveta.

É um colar de osso, esculpido à mão, talhado com a rusticidade e simplicidade dos povos autóctones.
Vejo-me a comprá-lo.  Era um dia de sol quente e luminoso como é o sol daquelas paragens ... como pertence ao sol ser, naquelas paragens ... Porque era um dia perfeito com um sol de sonho num azul de promessas ainda ...
Era a Tailândia, destino mítico, as tribos do norte, na fronteira com Myanmar ( que haveria de conhecer muitos anos depois, noutro contexto totalmente distinto.  Quando eu também já não era mais eu ... mais de uma década passada ).

Há imagens que nos ficam com uma nitidez absurda, num mecanismo maquiavélico que não se explica, com cores, cheiros e sons tão claros e desenhados, que reflectem tudo como em tempo real desfilando numa tela de cinema.
Acho que teimam em perdurar porque não queremos separar-nos delas por nada, não as largamos por coisa nenhuma, não as deixamos ir como se fossem tesouros de valor inestimável.
São como páginas escritas, e o que está escrito dificilmente se apaga !
É estranha esta necessidade doída que me assoma de revisitar o passado, como se fazendo-o, eu conseguisse, num passe de mágica, lá retornar.  Como se conseguisse reabilitar a que eu era, recuperando o tempo que foi.
Porque tem dias que há um buraco bem aqui no meio do peito, que reclama o preenchimento, neste vazio depauperado de emoção...

Tudo a propósito, penso, de páginas viradas, de intenção de caminhos adiante, de necessidade absoluta de conseguir olhar p'ra frente, deixando de olhar o ontem, deixando de me prender com a dobragem dos dias sem demais aflições com o amanhã, pois que no devir, sei lá se ainda aqui estou ...
Tudo a propósito de ansiar partir de novo, ansiar viajar p'ra destinos de silêncios, onde apenas o mar me aninhe, o sol me aconchegue, o vento me espalhe da mente tudo aquilo que perturbe o meu espírito, cansado e desordeiro.
Tudo a propósito de ir por aí, deixando p'ra trás o nefasto, ignorando todo este pesadelo que se arrasta há tempo demais, este cansaço sem fronteiras, estes dias descoloridos e desesperançosos, dando uma demão de tinta à Vida, que tantas e tantas vezes interrogo. 
Iludo-me.  Sei que me iludo, porque toda a busca só se concretiza se a reconstrução começar dentro de mim ... e essa é uma tarefa que eu sei ser praticamente inalcançável.

Sou um espírito atormentado. Sou aquele pedaço de nada importante que a maré leva e traz e volta a levar sem rumo ou destino. Donde veio, para onde será jogado ? Ninguém nunca saberá.
É simplesmente um detrito no meio do vórtice da correnteza, sem força, determinação ou capacidade de escolher um novo caminho, de percorrer uma outra estrada ... de procurar um novo amanhã ... dia após dia, ano após ano ... tempo atrás de tempo, sem remédio ou solução.

Assim sou eu, o corolário de contas desfiadas dum colar que nunca ninguém entenderá !

Anamar

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